Um passeio por entre estandes e livros

Só na tarde da sexta-feira, pude sair de Santana do Ipanema a Maceió e visitar a bienal. Cruzando a porta, logo de entrada, deparei-me com um cordão em formato de quadrado, que mantinha, dentro dele cerca de umas dez pequenas crianças, fardadas - coisa de escolinha -, agrupadas e bem unidas, ladeadas por professoras diligentes. Todos pareciam estar aturdidos e curiosos. O cordão; uma forma de protegê-las e não perdê-las, em meio à grande movimentação dos espaços do Centro de Convenções.


Mais adiante, um artista franzino, fazia curtas idas e vindas, por um dos corredores. Aquele jeito de quem marcou encontro naquele local e chegou primeiro. Ansiedade em efetivar o encontro. Encontrou um amigo. Baixinho, vestido de uma forma vistosa, que o punha em destaque entre os outros visitantes. Abraço efusivo. Em alguns instantes houve uma espécie de cerco em torno dele. É que outros amigos se achegaram. Novos abraços e conversa animada.


Em um estande, uma mulher folheava páginas de um livro de gravuras de Debret. Interessou-se por ele. Quis ver o preço e procurou alguém que a pudesse informar. Todos ocupados, ela caminhou até a senhora que estava no caixa. Distraída em passar o cartão de um casal que comprara um livro, a outra mal levantou a cabeça. Preço? Está atrás do livro. Ela buscou ansiosa, mas não encontrou. Voltou a reabri-lo, folheou novamente: belos esboços, aquarelas fantásticas. Encheu os olhos e suspirou quase aflita. Procurou ajuda mais uma vez. Ficou sabendo do preço. Abriu a bolsa, como se fosse conferir se tinha dinheiro. Certificou-se de que as notas estavam ali. Ainda com a bolsa aberta, desviou os olhos para cima e para a direita. Fez contas mentalmente, as refez... Fechou a bolsa e o livro e em silêncio o colocou de volta na prateleira. Saiu dali com ares de frustração.


Na sala Luitgarde Barros, a palestra: Comunicação e Novas Mídias: Um aporte psicanalítico havia terminado. A porta se abriu e dentre os primeiros a saírem, estava um jovem casal. Juntos, seguiram pelos corredores e percorreram diversos estandes. Em um, especialmente, correram olhos e avançaram mãos sobre livros de psicologia. Dois volumes das Cartas de Jung ativaram o desejo de posse de uma mulher que colocou um deles debaixo do braço, numa atitude de: este aqui é meu, embora tivessem dezenas dele para vender, e ficou circulando pelo local, esmiuçando outros.


Um homem de meia-idade avistou uma amiga de infância no estande em frente ao que estava visitando. Atravessou a pequena distância e ficou a observá-la, pensando, talvez, se valeria à pena concretizar o encontro. A mulher, de costas, olhava livros da L&M, num daqueles expositores giratórios. Interessou-se por um cujo título era: Compreender Hannah Arendt, de outra editora. Sentindo-se observada, virou-se e reconheceu o amigo. Soltou o livro, saiu do local, e foi abraçá-lo. Distantes da infância, a aposentadoria surgiu no final da conversa, exibindo a maturidade de ambos, indisfarçável nos cabelos tingidos dele.


Fernando Moraes, conhecido escritor, transparecia sua imagem e seus gestos, através das paredes de vidro da Sala Audálio Dantas. Bebia goles pequenos de água, aquietando um pigarro persistente, enquanto falava sobre seus livros biográficos, Olga e Chatô, cujo contexto trazia à cena, a ditadura militar, o PCB, Getúlio Vargas, para uma platéia concentrada em ouvi-lo. Em meio a tudo, corri meu olhar sobre o ambiente e me convenci, mais uma vez, de que o encontro com o Outro é inevitável, e que com o advento de tantos meio às novas mídias, corremos o risco - se não soubermos divisar e tirarmos proveito do que elas oferecem de melhor -, de abrirmos mão dessa forma mais simples e mais satisfatória da comunicação.


Essa que não tem mediação tecnológica, através de redes sociais, que para muitos parece estar se transformando na única forma de comunicação possível. Estarmos frente a frente com o nosso interlocutor, fazendo a nossa palavra e a dele sair pela boca, ouvir a voz do Outro, mergulhar através dos sentidos, nas manifestações emocionais, sempre tão necessárias, dos que nos cercam.

Na saída do evento, vinha pensando que imaginar não é igual a simbolizar, e a vida não pode ser sustentada só por imagens. A gente precisa ter experiências no mundo real, trocas reais, com pessoas reais, para podermos ter conteúdos e dar significados à comunicação. A realização da Bienal Internacional do Livro de Alagoas, não se resumiu na promoção do conhecimento, ou no esforço para se consolidar a cultura da leitura, mas trouxe consigo a possibilidade do encontro com o Outro, que está tanto dentro, como fora de nós.

Comentários

  1. Excelente texto! Minucias de detalhes que até cheguei a ver cada um dos personagens. E se tratando de Bienal achei em um dos livros que comprei a seguinte frase - que me fez lembrar dos amigos sertanejos (incluindo Goretti Brandão): "Jagunço todo mundo é, pois, no Sertão, os covardes nascem mortos" - Wilson Lins.

    Parabéns pelo texto... abraços!
    Waldson Costa

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