De olho na mulher

Festejar a entrada da mulher no mercado de trabalho e a sua evolução econômica, que determina maior liberdade, inclusive a sua liberdade sexual, é assunto em praticamente todos os veículos de informação de hoje. Pois é. Um dia especial no calendário para homenagear a mulher, suas conquistas e seus feitos. Mas, se debruçar sobre outras vertentes, associadas à propagada ascensão feminina, é tarefa que vale a pena.

Parar e refletir sobre a condição da mulher na sociedade atual, requer certa coragem para assumir que logo ao lado das nossas conquistas, está o seu oposto, e que ele é um preço alto que somos chamadas a pagar, quer queiramos ou não. 

Uma amiga jornalista do jornal Primeira Edição (http://primeiraedicao.com.br/noticia/2012/03/08/mercado-de-trabalho-x-familia-a-mulher-precisa-mesmo-definir-uma-so-posicao) quer saber minha opinião, sobre: Mercado de trabalho e família versus Mulher, e se eu acho que diante da evolução econômica e histórica da sociedade a mulher precisa definir onde ficar (carreira ou família). 

Em suma, há possibilidade de conciliação dentro da realidade em que vivemos?

Difícil opinar, se a gente não tiver certa compreensão dos contextos, da influência direta do Sr. Mercado, como a mola mestra do mundo moderno, e sua influência na construção de nossos conceitos e escolhas, e sobre o que realmente é importante para nós mulheres. 

Afinal, é cada vez mais complicado procedermos fazendo escolhas. Praticamente, somos guiados por mecanismos que escolhem quase tudo por nós.

Lutamos tanto tempo por igualdade de direitos dentro da sociedade, que nos esquecemos de definir em que se baseiam tais direitos. Direito à liberdade sexual, direito de sair do universo caseiro, com ocupações caseiras, direito a ocupar espaços antes destinados apenas ao homem? 

Quais os nossos princípios éticos e morais definidos para escolhermos como proceder diante de tanta liberdade? Que tipo de liberdade tinham ou têm os homens, que as mulheres queriam para si? Em que se baseia esta noção de liberdade e igualdade?

Acredito que pegamos como pressupostos, noções estereotipadas da liberdade questionável do masculino, e as sugamos como referência à nossa vida. E foi aí que deixamos de acrescentar à nova conquista da liberdade adquirida, um colorido novo, reflexivo e condizente às questões femininas. 

Saímos da condição de submissão e entramos em outras instâncias que reproduzem a mesma submissão disfarçada pela propaganda de tempos novos à mulher e camuflada pelo que a liberdade econômica nos proporcionou. 

Deixamos de rever a nossa condição, a nossa importância como mantenedoras, educadoras, filtradoras de humores, companheiras, como atividades menores, dando ênfase ao trabalho minucioso da mulher, como parte da estrutura social.

Deixamos de questionar o nosso lugar na dinâmica social, na família, na criação dos filhos. Apesar de vermos as mudanças, as novas condutas familiares, onde homens e mulheres têm a mesma obrigação perante a criação e educação dos filhos, algo de muito atemorizador tem aparecido dessas experiências. 

O que não está dando certo, afinal? Enquanto saímos, homens e mulheres para engrossar as fileiras de ‘operários’ do mercado, no modelo econômico atual, com o objetivo de melhorarmos o nível e as condições de vida da família, estamos contribuindo para a sua decadência.

E do que precisamos de verdade, para termos uma vida confortável? Sermos os consumistas que nos transformamos?
Vejo muitas jovens senhoras, que estão ‘escolhendo’ se posicionar no mercado com uma avidez de fazer pena. 

A realização de experiências voltadas para a sua interiorização, a experimentação de prazeres mais profundos, como a experiência de ser mãe, por exemplo, fica relegada a terceiro plano. 

Muitas extrapolam o limite dos anseios e querem cada vez mais. Mais títulos, mais sempre mais, sem pararem para se perguntar se essa necessidade é sua ou se está respondendo à proposta de realização do mercado. 

E tal proposta, sabemos, aposta no consumo como referência de sucesso. Se você pode consumir, você é feliz. Mas é só isso? A vida se resume apenas na satisfação de prazeres externos e pulverizados facilmente, para atender a outros?

São agregações à imagem e não à mulher, que é sempre mais fragmentada. Espírito e corpo, distintamente separados. Acredito que ninguém pode se sentir realizado parcialmente, a menos que se recuse experiências prazerosas no campo da realização pessoal, desde que se defina que tais realizações não são importantes. 

E quanto mais inconscientes estivermos das nossas próprias e particulares necessidades, mais iremos sofrer porque a nossa balança entre os mundos interno e externo, estarão desequilibradas. Há um preço a pagar por isso e nós temos que pagá-lo.

Basta ver a violência, o estupro, a morte, que tem aumentado entre as mulheres, vítimas dos companheiros, a fragmentação da historicidade da mulher no denegrir da imagem feminina, no abuso da propaganda e da publicidade que a veicula como um corpo-moeda-de-troca, com prazo de validade para uso. 

Tudo isso configura o desrespeito à importância da mulher como co-partícipe na construção da história da humanidade. E demonstra que o que se entende como liberdade e igualdade entre os sexos, está longe de ser algo concretizado em toda amplitude. Não é. Tem estrada para se percorrer ainda. Muita estrada.

E o que é pior é que pouquíssimas mulheres enxergam isso.

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