Surdez e sonho


Confusão em dois metros quadrados de sonho colorido. A hora inexiste. O dia ou a noite são eternos e se fixam como se houvéramos estado eternamente no Olimpo. A comunicação está quebrada e as peças procuradas para consertá-la, escondem-se embaixo da mesa. Minha audição é defeituosa. Se é que há uma, tecnológica e celular. Há um pesaroso trabalho de recompor o ouvido, dissipar a surdez, a palavra que instiga, da minha voz, um homem, ao qual me dirijo e o condeno por insistir em culpar os outros pelos seus próprios defeitos. Sua sombra ensurdece ainda mais minha audição.
Somos a mesma mulher, essas duas, que se entreolham aflitas procurando meus ouvidos? Uma é a mãe da outra, ela mesma mais velha, mais irritada, mais desiludida, mais surda, apontando que a nossa audição incompleta se deve à infantilidade de um menino que não ouve o que se diz. Devo correr atrás dele?
Vou procurá-lo, e entro pela mesma hora, por um cenário que se reproduz incansável. Não há necessidade de outros. Determina-se que haja recorrências enquanto não houver solução. Lá o encontro brincando, num tempo sem tempo, porque não há hora, mas as peças do meu ouvido, ele as esqueceu entre os seus brinquedos esquecidos, no vácuo de um relógio morto, pois que não tem ponteiros, que propositadamente o conserva infinitivamente criança, Uma criança mal ouvida. Ele some por uma porta e vai vasculhar com displicência, aquilo que reclamo a busca, e demora, demora, porque para definir esperas, é preciso fingir que o tempo voltou.
Volta trazendo peças inúteis. Angustia-me estar presa em um lugar inalterável, sem a vez do dia ou da noite definidos, tendo que apelar a uma criança, objetos que me permitam a conexão com o homem que nela se esconde, escondendo maturação e negando a si mesmo maturidade. Falta uma pequena tampa para compor o hermético e restituir o som, falta o desfecho do que é sonhado e falta, por fim, o ego que sonha, e que já extenuado, tapa os ouvidos e acorda, dentro do excessivo barulho que o traz de volta à vigília.

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