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Mostrando postagens de dezembro, 2012

O cheiro da vida

A paisagem passa ligeiro. Aridez de quase deserto - é como estar vendo por dentro de Isaura -, o seu deserto tão bem escondido, entre a alma e as suas vísceras. (Pudera ver por dentro das outras pessoas, como tão bem percebo Isaura: as suas teias de aranha, seus velames, suas folhas queimadas, a árvore seca que aponta galhos aflitos e afiados, contra um céu que dita um único tom de azul, para o que a vista oferece).  A desolada visão, ao contrário do que deveria motivar tristezas, emite uma ponta de alegria que reverbera lá dentro e como uma onda de emoção, vem para fora em forma de um solitário sorrisinho disfarçado.  O carro corre pela estrada. Um homem que viaja desconsolado declara ao motorista que “mulher só vai é com tabica na bunda”. Isaura e outra mulher que se sentara no mesmo banco, se entreolham e disfarçam o riso, ambas, cobrindo a boca com uma das mãos. Por que teriam sorrido? Isaura sabe o porquê de se rir. É que a invadiu um estranho gosto de vitória, por também ao

Perdido

Sou a inteireza de onde te arrebentas em fragmentos. Por isso a mim consinto trafegar as desagregações dos seus passos errantes. Perdido estás, e ao teu extravio e a ti, eu te maldigo. Maldigo-te por ignorares a tua sombra que ti devasta, e que indignada, perverte e confunde tua fome e tua sede, que o condena à inapetência e o abandona, mendigo, à mais cruel autofagia. Tu és vácuo, e eu bendigo o teu vazio,  único reduto e sentido que de ti resta  e que me alimenta viva e constante. Tornei-me saprófaga e nutro minhas raízes dos teus restos, e me alicerço, incorruptível, no labirinto que ti consome e que o faz perder-se. Conheço-te em todos os teus atalhos, porque ando sobre os teus muros, e sei de todas as vezes que erras o caminho Rápido. Percorra-te em todos os lugares de ti Se ti achares, me acharás...

Meia-idade

E ntardeço acumulando primaveras e flores,  com a modéstia senhoril de uma jardineira, que entendeu das cíclicas estações os enredos: como o encharcar de begônias o excesso de zelo, como ver na brincadeira dos ponteiros do relógio, os números do tempo sobre os jardins. Um gato preto roça o rabo por entre as minhas pernas e mia Maria Emília que engelha murchando como um maracujá, quer despejar em minha casa as novidades da rua e encher meus ouvidos de pecaminosos vexames. Queria fazer bolhas de sabão,  com as artérias do mamoeiro acolá, para me livrar de maledicências e afugentar mesquinhezas.  À narrativa do instante perturbo o que fui em menina. Movo, com o dedo indicador, pedaços de infância que trafegam na poeira de um facho de luz,  e entram em diagonal pelas fendas da porta. Para me espelhar como gente grande na sala de jantar, Deixo-me cravar pela seta de fogo, viro sombra,   e  me meto, impreterível,  no rumo de pequenas formigas,  que descem em fila indiana pelo pé