De estimação

Começou tentando tirá-lo com vassouradas para fora de casa. Ele, teimoso, arrumava um jeito de voltar. Foram tantas as tentativas sem sucesso, que achou por bem chamá-lo por um nome e adotá-lo, o que a princípio o fez para não dar-se por vencida, já que não via mais o que fazer ante a persistência do intruso. Zezinho. À contar a sua primeira aparição na porta da cozinha, era digamos, uma coisinha mal forjada e de pequeno porte. Cresceu às vistas dela subindo os degraus do beco todas as tardes e virou sapo de estimação. Tinha feito por merecer. Impôs-se corajoso à presença da dona da casa, brigou pela ocupação nos cantinhos das varandas e nas sombras úmidas do jardim.

Estabelecido, reconhecidamente nomeado, Zezinho assumiu seu serviço. Como grande comedor de insetos, recolheu mosquitos com língua viscosa, batendo as lentas pálpebras sobre os caroçudos olhos. Livre, ia e vinha sempre à tardinha de todos os dias, acomodar-se na escadaria. Numa dessas vezes não se apresentou. Depois noutra... depois sumiu. A mulher foi atrás vasculhando os costumeiros lugares de encontrá-lo. ‘Zezinho! Ô Zezinho...’ Registrado o sumiço, vieram as hipóteses, que Aprígio nem deu ousadia em ouvi-las, pensando em outras coisas a ele muito mais sérias. Diga-se a quem desejar saber, que noutro dia aí, reaparece o sapo. Vagaroso, balofo, quase irreconhecível. 

Violeta fez o que achou por bem, chamando-o à atenção. ‘ Zezinho, que gordura é essa, rapaz?. Quer morrer do coração?’. Como resposta o danado esparramou-se no capim e deixou-se ficar ali por um bom tempo. De novo voltou a sumir sob as folhagens e em reservado silêncio adentrou-se no próprio isolamento. Violeta intuiu aposentadoria para justificar-lhe a ausência e reclamou, valendo-se de não mais do que umas duas lágrimas no canto do olho, triste à constatação do fato. Por sua vez os degraus sentiram a falta do visitante, desfilando sobre eles, ora em curtos saltos, ora em lentas escaladas, pés ante pés. Quebrada a rotina e iniciada outra, a mulher desistiu da espera vespertina, colocou-o na ordem de finado e aos insetos deu-se alívio, espaço à insurreição e panos pras mangas.

À tarde deste domingo primaveril, o tempo quente, a cozinha reclamou fresca à mulher que suava em bicas, que abrindo a porta, depara-se com um jovem sapo subindo os degraus. Volta-se, instintivamente, arma-se com a vassoura, aproxima-se dele e já preparada para empurrá-lo escadaria abaixo, atravessa-lhe uma intuição. Desarma-se da intenção inicial e segurando com uma das mãos a vassoura, a outra na cintura, ensaia uma quase surpresa, outra quase alegria a instigar que se confirme a impressão de familiaridade. Sabe-se lá?  Observa-o por uns instantes. Ele ali, parado, na defensiva, submetido agora, pelo curioso olhar de Violeta, reserva-se aguardando alguma coisa.  Então ela arrisca-se:
_ Me diga uma coisa, menino, você é neto
de Zezinho?

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