Fadário

Fui visitá-los. De tardezinha ao chamar por Rosa, a sua vizinha saiu à porta acompanhada da mãe. Duas abelhudas. Rosa apareceu. Vinha de uma confusão de sonhos azedos e trazia as pálpebras inchadas. Fitou-me com os tais olhos da sua enorme apreensão sobre mim e abriu-me a porta desanimada, mantendo-se a certa distância. E já no sofá eu sentara em uma ponta e ela em outra. Chegue pra cá, criatura. Tá com medo de mim? Ela não respondeu. Era tanta a sua aflição, que eu fugi por alguns instantes daquele momento, mexendo no celular para suavizar a tensão. Rosa usou de um fiozinho de voz pra me perguntar:



_ E agora? O que é que eu vou fazer?



Eu não tinha resposta, senão aquela, de que há solução para tudo. Porém, nem me agradou dizer aquilo e nem a ela, ouvir. Frases genéricas soam como chavões, esvaziados pelo tanto que são usados. Fica o dito pelo não dito, o que é o mesmo que dizer que, para cada situação arquetípica, existe uma frase correspondente, que não responde nem resolve nada. Cá estou a usar frase gasta, frequente e comum a todo mundo. Sai da gente sem consentimento, sem pensamento e sem mediação. Sai da gente como uma maldição. Um prato feito, um feijão com arroz. Detesto cair no ramerrão e ser presa, ainda que indireta, dessas teias armadas tem séculos. Graça, não tem. Nenhuma. Nem criatividade. É como repetir humanidades em sua recorrente inaptidão. 



Quero dar saltos mais altos. Desacreditar sinas e inventar destinos outros.



A trezentos e sessenta e três milhões e duzentos e noventa e nove mil quilômetros de distância, a Lua Nova abordava, indiferente a Rosa, a escuridão do céu como uma foice iluminada. Cá embaixo a cidade acendeu suas luzes e delimitou o horizonte ampliando clarões sobre desenhos de circunferências tortas, anunciando a noite. Coisa tão previsível, tudo.

O que é que Rosa vai fazer agora? Viver esse fado. Sofrer na carne e no coração toda a trama já traçada e vivida por tanta gente. Destino é a falta de sorte dos desavisados...

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