A natureza da estética e o prazer na sociedade de consumo

Um conterrâneo amigo enviou para mim um excelente texto de Antônio Cícero, da Folha de São Paulo Ilustrada, que se intitula: “Mind the gap”, um termo inglês que nas estações do metrô, em Londres, significa “cuidado com o vão” ou “atenção ao vão” e daí o termo vai sendo ampliado até chegar à natureza estética, apreendida por ele. O excelente e delicioso texto de Antônio Cícero faz vir à minha mente a obra, Dialética do Esclarecimento, dos frankfurtianos, Adorno e Horkheimer, que versa sobre a cultura, o que inclui a estética, fruição, dentro dos moldes da Indústria Cultural. O sentido de Arte e de Cultura, sendo revirados nessa nossa época chamada Modernidade.

Parto das idéias de Platão sobre o bom e o belo que sempre me perturbam, (...) como ponto de partida e vou até Aristóteles, que diferentemente de Platão, acredita que o belo seja inerente ao homem, afinal, segundo ele, a beleza de uma obra de arte é assim concedida por critérios tais como proposição, simetria e ordenação, tudo em sua justa medida. Esse conceito, hoje, mais que nunca – me permito opinar -, é um tanto cerceador, redutor, e a meu ver, limita a estética, (dentro dessa vertente) ao mesmo tempo em que coloca limites à criação artística. Ou seja, determina regras à produção do artista.

A revolução burguesa (séc XVIII) a princípio é libertadora da arte e dos artistas, utilizada como veículo para as ideologias do poder das duas poderosas instituições: a Igreja e a Monarquia. Os artistas podem, enfim, respirar a libertação da sua criatividade. Mesmo assim, é possível a eles escolherem entre engrossar as fileiras da nova porta aberta pela burguesia ou permanecer sendo servidores do antigo sistema. Pena que essa autonomização tenha durado pouco, visto que assim que o Estado Burguês se tornou PODER, novamente impôs à arte e aos artistas, a veiculação da sua ideologia. Flaubert, escritor e pensador francês, sentindo a hegemonia burguesa no apogeu do séc XIX, época da revolução industrial, vai denunciar que a arte não está a serviço de ninguém e de nada, mas de si mesma.

Diante de um mundo burguês anti-artístico, digamos assim, é preciso fazer nascer um local para a arte pela arte, como negação àquele mundinho também utilitário. A arte então passa a ser feita para a fruição dos próprios artistas e não mais para a sociedade, porque se afasta das elites e dos populares. Artesanato e arte são substituídos pela indústria, e é essa indústria que é denunciada por Adorno e Horkheimer, que percebem a apropriação e o surgimento do que eles denominam de Indústria Cultural. O esvaziamento, a banalização da arte, ocorre com a perda dessa magia, que deriva dessa criação, individual, que torna única cada produção do artista. Perde-se, portanto, aquilo que Walter Benjamim, outro frankfurtiano, chama de aura.


Antônio Cícero se refere ao famoso vaso sanitário que Marcel Duchamp, levou para uma exposição. É ele quem diz que “o conceito de "ready made", cunhado pelo artista plástico Marcel Duchamp, designa um objeto já existente que, deslocado do seu contexto e colocado numa exposição ou num museu, pede para ser apreciado esteticamente”. Para mim isso causa inquietação contestadora. Sinceramente eu não veria esse urinol senão como um urinol. Eu não conseguiria ter fruição estética naquilo. A minha referência quanto ao signo, a própria semiologia, barraria quaisquer tentativas (se eu tentasse o que possivelmente não o faria). Pra mim, um urinol é um urinol em qualquer lugar, porque além do mais, ele é fruto de uma reprodução em série, o que não representa criação em si, mas cópia de um original, aquele sim, um primordial objeto de arte.
O que significa dizer que se tudo hoje pode ser interpretado como sendo capaz de despertar o prazer estético, a arte perdeu a sua aura e o seu significado como criação, necessidade, de uma linguagem anímica. Desse modo, a grande confusão se instala... E como diz o autor de Mind the gap, artistas e críticos, desavisados, (e eu, até podendo ser intransigente), digo, interessados em se mostrar 'modernos' ou seja, 'civilizados', passam a considerar obsoleto o que de fato não é. Terminam por reforçar a ideologia da indústria de massa, da cultura de massa, que torna a seu bel-prazer, qualquer coisa em obra de arte, qualquer Xuxa em cantora e atriz... Com o intuito de criar e vender os tais produtos culturais de baixíssima qualidade. Isso representa o que há de mais alienador, porque entre outras coisas, determina, inclusive, o que é prazer a ser fruído e o que não é. (Veja-se as festas de casamento, aniversários de 15 anos, formatura)

Até aí a indústria cultural define todos os momentos de prazer do 'evento'. Mesmo o nosso próprio prazer é policiado. É tudo tão igual que cansa: Sabe-se, inclusive, a sequência do que vai ser servido e que será ganho (acessórios) para 'brincar' quando chegar a hora, Algo simplesmente ridículo para não dizer imbecilizante. Estamos na era da reprodutibilidade técnica. Com a desculpa de se estar 'democratizando' a arte, levando todos a poderem fruí-la, a indústria cultural, na verdade, não democratiza nada, porque não favorece o conhecimento nem a cultura, propriamente dita, tampouco é emancipatória. E, abalizada em Adorno, que me consente, é melhor não se ter cultura do que se ter uma semi-cultura, de massa, de cima pra baixo, apenas pra servir ao capitalismo industrial, ou seja, a arte transformada em coisa, cai na mediocridade em função do lucro.

Há fruição estética, sim, para quem ainda consegue ter senso crítico, sensibilidade e sentido, livres da alienação. Esses podem fruir o prazer verdadeiro, individual, consciente. Podem sim, até vendo um lata d’água velha, e fazendo dela poesia, como faz a exemplo disso, o poeta de Campina Grande, Jessier Quirino... Afinal, sem arte, cultura e prazer autêntico, aonde iremos repousar nossas angústias e nosso sentido humano de existir e de ser?

Comentários

  1. é minha cara,esse mundo esta do jeito que ta pq as pessoas esqueceram da delicadeza dos detalhes,das obras,da vida.Estao todos muito superficiais,memorias fracas.N entendo como uma pessoa psosa n lembrar, nao sentir, nao transformar um pouso da abelha num poema interior.E assim vão-se passando os dias, sem muitos bons e firmes acontecimentos,sem cultura firme e real.Estive pensando,a geraçao que ainda leva uma certa cultura de vida real,esta indo embora,e os velhos daqui a 30,50 anos,como serão???estarao dançando na boca d agarrafa??com seus reumatismos??enfim,belisismo texzto,historia pura e chega de xuxa´s.;))Thiago Ribeiro,Paraiba.

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