Em política favor com favor se paga
Quem leva vantagem nessa troca?
Essa é uma das experiências mais desconcertantes: Uma cidade pequena faz com que as pessoas sejam aproximadas. Muitas vezes os casamentos entre conterrâneos fazem com que de alguma forma todos sejam parentes, próximos ou distantes. As famílias acabam se entrelaçando. A adolescência é uma fase em que se estreita laços entre amigos, contraparentes, conterrâneos e contemporâneos. É o tempo em que a identificação com ideologias sociais e políticas se manifesta. O desejo de justiça, igualdade, fraternidade, aproxima aqueles que apuram a sensibilidade, questionando os acontecimentos da vida.
É também a ocasião em que a gente reorganiza, orientados por essas identificações, nossas relações pessoais, selecionando-as. Amigos de infância e adolescência, conterrâneos, contemporâneos, ou seguem conosco ideais comuns, ou se afastam de nós e nós deles. Com os que defendem como nós, nossas bandeiras, a amizade parece centrar esforços em aprofundar raízes, encontrar sentido, eco e direcionamento. Algo nos fortalece. Enquanto idealistas, procuramos realizar através da empatia com os outros, nossas expectativas e sonhos de um mundo mais humano e justo.
O que não sabemos, pela própria inexperiência, é que o interesse ideológico e, claro, político, dos jovens, se divide em duas vertentes: De um lado, os idealistas puramente idealistas, que são movidos pelo autêntico sentimento humanitário. Do outro, os de natureza propensa à vida política. Os primeiros amargarão o preço do romantismo sempre marcado pelo otimismo e esperança. Os outros tirarão através da prática, em sua maioria, o máximo proveito do caminho objetivo do fazer política. Infelizmente aquela política viciada.
Nesses termos, as amizades que pareciam aprofundadas, a associação e entendimento íntimo entre amigos, sofre transformações profundas. O idealista poucas vezes consegue perceber a tempo, as novas nuances que vão mudando, não a sua relação com o outro, mas a relação do outro com ele. É que gente como eles – e não somos poucos -, demora para entender que a máxima de Aristóteles: “O homem é um animal político”, deixa sem marcar a divisa, entre os idealistas politizados, dos políticos que se perdem dos seus ideais. A gente mistura tudo no mesmo barco, apanha, para depois compreender os distanciamentos, sempre pagando um preço alto por esta diferença.
Em política, favor com favor se paga. Amizades comuns não ficam à parte, nesse contexto, onde as coisas funcionam dentro de outros critérios, que quase sempre se apresentam totalmente ancorados sobre ‘leis’ específicas, pouco éticas, morais ou humanistas. É um expediente onde a tendência no exercício da prática política, a muito foi transformada em vício. Em procedimento questionável. O favor nunca é favor, e muito menos, gratuito. E muito menos ainda, justo. Tudo tem um preço a ser pago. Parece que em política, nesse universo, as relações interpessoais não admitem laços genuínos de amizade, mas outros laços que, constantemente modificáveis, promovem à classe política, a sustentação do poder, que passa como um trator, sobre qualquer coisa ou pessoa.
Para um pedido de um conterrâneo, o mover de um dedo do ‘amigo político’, move montanhas. E as montanhas, para ele, são sempre simples de remover. É um parente - de quem está pedindo o favor -, precisando de uma vaga para ser internado num hospital da rede pública de saúde, com urgência, e que por culpa do próprio sistema social e econômico do Governo, não tem condições de pagar um Plano de Saúde. Alguém que vem realmente necessitado daquela urgência: um infartado, uma pessoa vítima de AVC (acidente vascular cerebral, comumente conhecido como derrame). A desgraça alheia favorece o político e compromete o necessitado.
Porque para a maioria dos políticos a atitude de compaixão e humanidade, pura e simples, já se perdeu. Não o move mais. O que o move é o interesse de barganha e a vantagem a ser tirada assim que dela precise. Cada ato de falsa solidariedade é contado como uma possível peça que se guarda na manga, a ser usada em benefício deles quando assim precisarem. Para todos os pontos, sem tirar nenhum, serão dados os nós.
Não é necessário que se esteja na bancada da Assembléia Legislativa para que a manipulação de outrem em prol de interesses próprios ou de partidos políticos seja processada. Ocupar altos cargos assegura esse proceder a quem se acha confortável a exercê-lo. Ao recorrer ao já distante amigo, contrai-se com ele um débito impagável. O pior é que se recorre a ele por se ter a certeza de que o que você pede, não é um favor, mas sim, algo que o seu direito de cidadão permite. Você, incorrigível idealista, pede com respeito à amizade, aquilo que ambos, político e idealista SABEM, não é necessário pedir, que deve ser exigido ou simplesmente concedido, como parte do direito de qualquer cidadão: ter acesso, por exemplo, às condições de saúde que mantenha vivo, com dignidade, uma pessoa doente.
Quem tem o poder atende ao outro, subvertendo a lógica racional do pedido, e fazendo barganha para tirar o máximo proveito da necessidade daquele que pede. É que o contato com o poder muda as pessoas. O poder é um forte e perigoso arquétipo humano. Ele inverte quaisquer que sejam os sensos de moralidade, ética e humanismo. Aquilo que é tão fácil para o político conseguir, aquele favor tão pequeno, que no fundo é obrigação dele garantir aos cidadãos, serve para que ele procure manter aquele que em outras condições, outro tempo, foi seu amigo, sob seus pés, sendo sempre, seu devedor.
Se não há consciência clara, por parte de quem faz o apelo, a relação que passa a ser estabelecida, a cobrança por esse favor, o manterá preso. É aí quando, dolorosamente, o amigo de antigamente (amigo?), percebe o quanto pode ser transformado em peça de manipulação no jogo do poder do outro, pelo outro e para o outro.
O que significa que os antigos laços de amizade estão perdidos. Em política, amizades são esquecidas em função de outros critérios que passam a atuar nas relações. Tudo é troca. E essa troca é desonesta, desumana e fria, pois que se estabelece a partir da vulnerabilidade (doenças, necessidades outras) de quem pede. Tudo é convertido em poder de alguém que tem as ferramentas para conseguir o que quer nas mãos, e que a utiliza, sem qualquer escrúpulo, em benefício próprio ou do sistema que representa.
Quem pede, seja quem for, tem que pagar. Tem, no mínimo, que servir de degrau, na malha dos interesses de quem, sem trabalho nenhum, nomeia como favor, alguma coisa que não exigiu dele nenhum esforço. Por vezes, algo que um simples telefonema resolve.
Quem leva vantagem nessa troca?
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