Clausuras
Era assim mesmo, que nem uma freira enclausurada, doida pra sair do claustro. Afobava-se por nada. Mas, tinha nada não. Não tinha e eu compreendia a insatisfação dela. O que eu desejava era fincar pé, aborrecer quem me aborrecia, de fazer pantim, como ela mesma dizia. Eu queria fazer pirraça, dizer não com vontade de dizer sim, só pra sentir como era ser ruim de verdade. Porque se eu contestava alguma coisa, uma promessa feita a mim e nunca cumprida, ela dizia: Ruim igual ao pai. Língua grande igual a dele. E ameaçava:
_ Quando morrer, o corpo vai em um caixão e a língua em um caminhão.
E eu que apreciava tanto converter palavras em imagens, ficava parada ali, recebendo aquela carga destemperada dela. Era tão despropositada, tão injusta e por isso mesmo tão hilária, que eu não perdia tempo imaginando minha língua, enorme, indo em um caminhão pro cemitério. Depois aquelas palavras se repetiam com tanta frequência, que eu perdia o interesse em ouvir. Ficava era adiantando mentalmente o restante da frase dela. Aquilo me dava um cansaço. Então eu colocava outros pensamentos no meio. Pensava nas freiras enclausuradas, mas obedientes, silenciosas, em oração. Será que rezavam o tempo inteiro? Tinha verdadeira curiosidade e inveja do estado contemplativo delas. Estar em Deus. Encontrar-se à imensidão. Deus é tão grande e diverso à nossa imagem e semelhança. E pensar que eu só paro pra ver estrelas, formigas, o horizonte. Perco-me contando as telhas da casa vizinha, ouvindo o cão latir, a folha seca desprender-se do galho e ir caindo, caindo. Vendo pétalas desabrocharem e injustiças e enganos acontecerem o tempo todo. O mundo das evidências não constela muita nobreza. Estou distante da coisa divina, longe da oração contemplativa e perto de mim mesma. Minha humanidade é rústica e, por isso, sou dada a distrações.
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