Odete contava que no dia do nascimento de Violeta, nascera também a primeira flor do lírio eucarístico de Meninha. Teria sido aquilo coincidência ou sincronicidade? De certeza, anos depois, havia um caderno de capa dura, cor vinho, que apresentou-se a ela quando mexia em quinquilharias. Também, eram reais aqueles formigões albinos, que antes, amontoados no canto das gavetas velhas, alvoroçaram-se quando ela as abriu e, confusos, saíam em todas as direções, avançando sobre os livros, como um batalhão de soldados desertores. Estes, que fechados e no escuro, a não se sabe por quantos anos, mantiveram presas as palavras e sobre as palavras, os escritos que ninguém lia.
No caderno, um relicário onde estavam descritas as emoções de importantes datas, onde Odete escrevera, não pouco emocionada, sobre Violeta. Aquele dia em que viera ao mundo e suas primeiras impressões. Era rósea, com pés e mãos perfeitas, sem pau-de-venta e que quando a viu chorar, pode ver que as lágrimas cruzavam-se sem rumo pelo pequeno rosto. Violeta haveria de carregar choro sem direção vida afora. Isso era certo como uma profecia. Aprígio entrou no quarto cantando parabéns.
'O meu lírio eucarístico, fui ver logo cedo, tem nem sinal de haste floral. Sonhei que não sabia onde Odete estava'
Aprígio ouviu? Quem sabe?
A mulher voltou à confusão do sonho tentando interpretá-lo. Então lembrou-se,  Meninha era quem tinha ido embora, mas ela sabia para onde. Tinha ido à memória do lírio nascido, primevo, a inaugurar o começo de uma existência e ao simbolismo da virtude da santa que emprestara à sua neta o nome. Violeta sabe do dia de hoje, do sol que abre como vertigem os raios dourados. Da espera da chegada do novo lírio, do esplendor da Graça de Deus, do mistério no qual ela festeja seus anos.

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