As escolhas determinam quem somos
A tarde de ontem foi uma daquelas: tipicamente hibernais. A chuva e o frio chegaram juntos. A casa vestida sobriamente mergulhou-nos em sombras próprias e em um silêncio quebrado por pingos rítmicos e pesados, de quando as águas se precipitam fortes sobre os telhados, e caem no chão. O inverno parece que chegou de verdade por aqui. Esses dias teimam em me levar de volta ao passado. Ontem, porém, acomodei as lembranças num lugar bem cuidado da memória e escolhi ver filmes.
Vi duas histórias que envolvem conflitos humanos, sob dois aspectos diferentes, mas que no final caracterizam as escolhas que estão sempre nos sendo ofertadas pelas circunstâncias da vida. Ao final, aquilo me fez pensar sobre que escolher algo, pressupõe estarmos diante de mais de uma oferta. E que cada uma delas aponta para caminhos diferentes, possibilidades diferentes, resultados diferentes. Muitas vezes, senão todas, escolher é arbitrar conflitos.
Decidir implica em colocarmos na balança, muito mais que pesos e duas medidas. Como fazemos nossas escolhas? Quais os parâmetros para decidirmos entre uma coisa e outra? Toda a intenção para situar a importância de sabermos escolher, passa pelo crivo de termos consciência de que a todo instante estamos diante de opções e de identificá-las. O certo é que os caminhos que fazemos no decorrer da vida, sempre nos levam a alguma coisa, a algum lugar ou a lugar nenhum.
E o pior é que só numa determinada altura da vida, é que surgem, para valer, os questionamentos em busca de premissas, que justifiquem o onde, o quando e o porquê, de estarmos em determinado lugar ou situação. De sermos o que somos, satisfeitos ou não com isso. É nesse ponto nevrálgico que nos apercebemos que as escolhas sempre existiram e que muitas vezes não tivemos a clareza de enxergá-las. É que nunca ou quase nunca, demos atenção a isso.
Nascemos e fomos ‘escolhidos’ desde muito cedo, pelas verdades do senso comum, arraigadas por processos culturais estanques, por instituições políticas e ideológicas, sociais e religiosas preexistentes, por valores familiares ‘hereditários’ transmitidos, que juntos e com seus dedos em riste, nos apontaram os caminhos para fazermos estradas, o modo de vida para seguirmos, e até os modelos de felicidade que não ousamos sequer duvidar. A possibilidade de livrar-se dos véus da ilusão, do emaranhado e arcabouços estruturais que nos prendem - ao que parece -, só se dá quando caminhamos lá pela metade da vida.
A existência da humanidade meteu-se em mecanismos cruéis. São eles que escolhem a vida que teremos, antes mesmo de conhecermos o que significa escolher. A verdade é que muita gente pode bater o pé e dizer que vivemos a liberdade de escolha. Escolhemos a roupa que compramos e o livro que lemos. O filme que vamos assistir e o carro que adquirimos. Mas não compreendemos nem conhecemos, a influência de sob qual signo, as nossas escolhas vão sendo orientadas.
O índice, como signo, aquele que reina em um mundo de constante simulação, supõe que o conhecimento de algo pode não ser provável de acontecer ou mesmo ser, senão em aparência muito reduzida. A verdade é que somos impregnados e influenciados em todas as extensões dos nossos atos, quando nossas escolhas não estão submetidas aos níveis de consciência e conhecimento de juízo de valor pessoal.
Hoje amanheceu chovendo forte. Nem sempre uma manhã sombria é determinante para que se acredite que choverá o dia inteiro. Agora mesmo, contrariando o que quase tive certeza de estar acontecendo, o sol apareceu... Isso é tão-somente um detalhe. Chovendo ou não, escolho, para hoje à tarde, entre me refugiar nas lembranças do passado ou assistir outros dois filmes, a segunda opção. Quero estar envolvida com as leituras de imagens que me darão a possibilidades de pensar a vida no tempo presente.
Minha querida, e essas escolhas hein? rs negócio difícil esse ... abraço em você :)
ResponderExcluirGoretti, viver é uma arte, não é mesmo? São tantos desafios à existência, né? Difícil mesmo é a fidelidade as escolhas. Em cada decisão há a consequência enigmática e atemporal de perdas e ganhos. Fernando Pessoa nos lembra muito bem essa regra: "Navegar é preciso, viver não é preciso." Ou seja, viver é estar a disposição das intempéries ou ainda: "Põe quanto és no mínimo que fazes. Sê tudo em cada coisa. E assim, em cada lago, a lua toda brilha, porque alta vive."
ResponderExcluirTem uma frase que guardei da peça de teatro "Divã", que diz: somos escravos das nossas escolhas, por mais voluntárias que elas sejam. Achei interessante esse paradoxo!!! Beijão, Goretti!!
ResponderExcluir