"Ser artista é uma dádiva"
Cansado de pintar mesmices, Orlando Santos faz brotar dos seus pincéis para as telas, um povo simples, o cotidiano e o regionalismo, através de um estilo pessoal, marcado por tendências cubistas
O artista Orlando Santos |
Homem
de estatura mediana, brincalhão e de humor fácil, ele é um dos principais
patrimônios vivos de Porto Real do Colégio, terra onde nasceu. É graduado em
Contabilidade, sendo que, 31 dos seus 52 anos, são dedicados às artes
plásticas. O alagoano, conhecido nos circuitos da cultura local, era ainda um
menino de 12 anos, quando começou a pintar. Seus trabalhos já ganharam o mundo.
Estão no Canadá, na França e em Portugal. Em
Maceió, sua arte pode ser vista em hotéis, órgãos públicos
federais e estaduais, instituições, pousadas, consultórios e residências. Minha
conversa é com ele.
O que é ser um artista? Quais os
louvores e as dificuldades em ser artista em Alagoas?
Ser
artista é uma dádiva, nascemos com esse talento, embora o tempo nos faça
refletir na opção dos seguimentos, assim buscamos em livros e pesquisas algo
que nos revele o belo prazer. Em alagoas é muito complexo, o movimento irradia
pelas vertentes do individualismo, parecendo até uma competição, onde o talento
adormece com muita facilidade, e as pessoas dotadas ficam a mercê de meias
dúzias para terem seu trabalho reconhecido.
Quem vai ao Aeroporto Zumbi dos
Palmares pode apreciar um dos seus belos trabalhos. Percebe-se que ele tem um
forte apelo e influência do movimento cubista. O que o faz escolher tais
características em suas composições?
Estava
meio cansado de fazer as mesmices, todos pintavam coisas parecidas, e eu estava
num estagio de desenvolvimento onde me sentia preso pela pressão dos outros. Isso me incomodava, passei um
certo tempo sem pintar, em pesquisas descobri
novos estilos, dentre eles me deparei com o Cubismo. Mas eu não queria um
cubismo prostituído, eu queria um
cubismo que eu tivesse domínio, cores, e movimento... Pois há muito o movimento
não aparecia, e eu me sentia sem perspectiva para continuar pintando. Achei
fantástico o que lia me interessei, e fui pesquisando até achar um artista que
em me identificasse dentro do cubismo. Achei Chagal, que não queria ser cubista,
mas tinha um trabalho figurativo que me impressionou. Dai em diante entrei
noutras academias e descobri Braque, Cezanne, Picasso, Tarsila, Di Cavalcanti,
Portinari, todos foram minha luz... Segui...
Cana café |
No início do movimento, até 1912, o
cubismo apresentava cores moderadas, formas, com predominâncias geométricas,
desestruturas e desmembramentos. Decifrar a obra era uma condição que se seguia
à sua apreciação. Era o Cubismo Analítico. Na segunda fase, no Cubismo
Sintético sugiram as cores fortes, além das formas, agora voltadas para o
reconhecimento das figuras. Seu trabalho tem como premissa, o cubismo dessa fase?
Não,
o cubismo analítico me encantara por demais, eu nunca gostei de juntar pedaços,
ou metade de elementos, colagem, (coisa do Cubismo Sintético) isso não me
interessava. Enveredei pelo analítico,
porque me sentia mais espontâneo para expor minha condição e conhecimento especifico
vindo de outras academias que eu admirava. Achei que ser figurativo era o suficiente
para trabalhar as transparências que não existiam no cubismo, e dar formas e
expressão cubista para ser um inovador do cubismo aqui, quicá noutros lugares.
Como dizem por ai, “é muito difícil ser cubista, e você retrata muito bem a
gama de suas cores próprias.” Aprendi desde cedo a ter personalidade artística.
No Brasil, artistas como Tarsila do
Amaral, Anita Malfatti, Rego Monteiro e Di Cavalcanti, apresentam
características cubistas em suas obras. De alguma forma esses artistas tiveram
ou têm influência em seu trabalho?
Di
Cavalcanti tem uma predominância pela sutileza e expressão das multas, embora
eu me detenha ao direito de fazer figuras expressivas com conotações
brasileiras, porém as cores típicas da nossa região fumegam entre telas e
telas, e me parece mais arrojadas por ser nordestino. Ele não era cubista, mas
influenciado por Portinari que também não era cubista, tinha uma tendência
natural ao que na época se chamava cubismo. Acho que entre Portinari e Di
Cavalcanti, eu descobri bem mais minha arte, porque freqüentei o ateliê do Adélio
Sarro em São Paulo,
e descobri novos movimentos artísticos que me influenciaram, mas não me tiraram
o direito de ser artista único naquilo que faço.
Carro de Boi |
Pablo Picasso, como um dos precursores
do estilo, é um dos primeiros artistas que nos remetem ao movimento. Sabe-se,
portanto, que entre 1907 e 1909, as obras de Cézanne deram início à fase do
cubismo. Diz-se que no Brasil não encontramos artistas exclusivamente cubistas.
Como você se considera então?
Me
considero um artista ousado, que buscou em pesquisas um trabalho maturado de
curta duração, mas que marcou a época de 1907 a 1912, por não ter tanto cubistas na
época, não foi possível a continuidade da academia, mas aqui somos poucos com
essa tendência... Se não me engano eu sou o único que tenho essa influencia
forte abrasileirada que carrego na alma e na consciência.
Sobre Picasso; o que você acha da sua
obra?
Acho
fantástico o trabalho da fase azul fase rosa, onde ele sintetiza suas angústias
e revoltas, e sentimentalismo. Quanto à fase cubista não me interessei muito
não, achei muito grotesco a expressão de Guernica, me deixou aflito a expressão
angustiante, e aquelas metades utilizadas por ele não me trouxeram sensibilidade,
eu não me sentiria bem se o retratasse. Respeito–o, ele era muito bom no que
fazia, temos que respeitar, cada um faz e retrata o que chamam de arte da
melhor maneira possível, aquela era a forma que ele achou para representar.
Observando que as Damas de Les Demoiselles
ele conseguiu fazer algo interessante no meu humilde entendimento, mas não
captei uma mensagem igual noutros trabalho do mesmo seguimento. Com isso
digo-lhe que era foi um gênio na descoberta, e conseguia retratar o cubismo
iniciado por Cézanne de forma própria, isso sim me chamou a atenção, mas
observo que ele tinha sua própria personalidade, e criou assim seu próprio
estilo cubista. Foi o que eu fiz.
Como surgem as ideias: as cores, as
figuras e os temas para os seus quadros?
Surge
naturalmente, tenho um conhecimento dos círculos das cores, e acredito que isso
me ajuda muito. As figuras surgem do nosso regionalismo, do cotidiano, da
vontade de crescer de um povo simples e trabalhador, me inspiro muito no
camponês, acho fantástica a lida, respeito e acredito na felicidade deles. Acho
que a candura do olhar, a expressão, interagindo um ao a outro é um foco
importante na nossa cultura.
As pessoas que freqüentam os salões de
exposição, em sua maioria, se referem ao seu trabalho, que tipo de menção elas
fazem? Elas identificam o seu estilo ou perguntam algo sobre a sua maneira de
pintar?
Elas
identificam muito bem, questionam a tenacidade da luz, a transparência e harmonia
das cores, o circulo entre elas estão estampado em todas as telas, dizem que
meus traços são de personalidade própria, e em pouco tempo muitos aproximam e
dizem “Parabéns” você consegue um domínio que não encontramos com facilidade.
(Isso me deixa feliz)
Como seus quadros são vendidos e quem
são os compradores das obras do artista Orlando Santos?
Geralmente
os clientes me procuram e fazem as encomendas, eu não pinto por série,
geralmente faço um trabalho voltado para o objetivo do solicitante, quando me
objetivo expor coisa que há muito não faço por falta de espaço, eu sigo um tema
peculiar, e me dedico por inteiro. Sou fiel ao meu trabalho.
O que você acha que poderia ser feito, melhorar
o interesse e impulsionar um comportamento positivo nas pessoas, para maior
repercussão na sociedade, relativo à apreciação e valorização da arte e dos
artistas alagoanos?
Acho
que a classe artística se retrai muito, parecendo até que cada um tem seu
trabalho e pronto. Esse comodismo artístico desestrutura o interesse de uma
sociedade perceptiva. Acho que um movimento primoroso que pudesse respeitar o
objetivo de todos talvez valorizasse mais o artista, e chamasse a atenção do
povo. Qualquer movimento unificado gera frutos, se bem que não temos espaços,
somos desintegrados, apenas lutamos com força para não deixar a peteca cair.
Acho até um pouco de ousadia.
A
apreciação de um povo dar-se pela cultura, esse ícone é muito peculiar, nem
todos pensam na arte como arte, então não temos muito que nos preocupar com
esse rótulo, mas fazer nosso trabalho, expor e convidar as pessoas que
valorizam nosso trabalho. A arte precisa ser contemplada de outra maneira.
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