Arte para aliviar a dor
Viva o Trio Nordestino!!
Para
o sertanejo autêntico, desses acostumados a se vangloriarem das coisas do
sertão, basta mesmo um triângulo, um zabumba e um bom cantor que saiba tirar
notas de uma sanfona e que tenha a goela temperada, para que ele, satisfeito,
arrepie os pelos e a alma. Refiro-me ao famoso trio nordestino, tão bem
reproduzido pelos escultores populares, em suas peças de barro, que se
apresenta quando chamados aos lugares, durante os festejos juninos.
A
impressão que se tem, é a de que todos os trios são um só, fazendo a alegria de
todos e na mesma hora. É a onipresença sertaneja que modela os artistas
populares, em um mesmo formato de rosto e uma mesma missão – a de perpetuar as
nossas matutas singelezas – a de espalhar canções, a evocar saudades das
Marias Fulôs, tantas, e em todos os Estados nordestinos, que a seca por haver
amarelado o marmeleiro, determina, por fim, a desesperança do seu amado e
atrapalha o amor, condenando os amantes à separação.
Curral de Meninos e Bois - OST 1mx1,2m - Goretti Brandão |
Cenários
de desilusões e de corações partidos pelo determinismo ambiental, as genuínas
canções sertanejas, entre outros, as ‘Luiz Gonzaguianas’, nos sacodem e apontam
para ‘determinismos políticos’, cuja interferência ou cuja ausência dela,
perpetuam o sofrimento social. A dor sertaneja encontra a única saída possível:
a alquimia. A busca pela nossa pedra filosofal, misturando sofrimento,
sentimento e povo, e transformando tudo em poesia.
Poetizando
lamentos e reproduzindo trios, seus zabumbas, triângulos e sanfoneiros. Arte
para aliviar a dor. No roçado a estiagem continua e a paisagem desolada nos
convida a lançar um olhar sobre animais magros, carcaças e cantos tristes das
aves agourentas. Mulheres empoeiradas, que caminham estrada afora, carregando
crianças sujas, em busca das últimas águas das barragens. Indiciais, nossos
signos são a pedra de toque, das vitoriosas campanhas políticas. Nossa sina
define eleições.
Nas
cidades sertanejas, os festejos juninos já começaram. Viajando, vê-se que as
ruas principais das cidades, estão com enormes palcos armados. À noite, bandas
que são migalhas do nosso autêntico forró, e sem nenhuma sintonia com a
realidade sertaneja, darão ao povo a ilusão de que tudo está em ordem e de que
a fome e a sede que nos cercam não é problema nosso. Pão e Circo. Mas nos
recônditos do mato, ali na roça, o fogueirão ardendo, os matutos esperam pelo
Trio Nordestino.
Tudo
escuro no entorno, tudo seco, os gravetos estalam sob os pés dos que chegam. O
sanfoneiro aparece no meio do terreiro. Chapéu de couro, gibão, se for de fazer
tipo, camisa de xadrez de tecido barato, os artistas cumprimentam os compadres
e as comadres. A pouca distância as crianças correm. Aprumados, ele dá um sinal
com a cabeça para os comparsas, imposta a voz, e solta o canto, imitando os
grandes artistas nordestinos. A brincadeira começa.
É
a festa de São João. Diferente do que acontece lá na rua, tudo é genuíno. Aqui,
o forró é arte de fato. Arte e resistência. É pura resistência.
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