Hibernal
Dia de chuva. O
tempo nublou de repente e as gotas d'água cairam pesadas... Da cozinha vi que a tarde sombria havia distanciado a paisagem. Hibernal é o meu desejo de
deitar sob cobertas quentinhas, entrar em proposital letargia, adormecer-me. Porém,
outros desejos me sacodem, como miúdas vontades que se aglutinam e estampam um
inverno, que evoco da lembrança de outras chuvas.
Movo antigos
símbolos, remexo-os, trago-os à tona. Deixo que fiquem guardados os pijamas de
flanelas feitos em casa, as galochas e o barulho dos passos nas poças
lamacentas, da criança que em mim, atendia o chamado da mãe. Ela, que já não
sou eu, mas, a pequena amadora atriz, eternizada no lugar que me lembra, e que
repete encenações, só para alegrar-me do que fui.
Estou certa de
que fui embora. Tenho me feito em outras.
Minha mão é que
retorna, às vezes, infantil. Tateando memórias, sentindo a gravíssima e afetada
textura do cobertor de lã, espinhento... Essas coisas eram, foram-se
evaporadas. Esconderam-se como os guarda-roupas velhos, as camas velhas, assim
como se foi o nosso gato Jásper e até mesmo a nossa casa, que no mesmo lugar,
mudou de canto e perdeu trechos de histórias. Histórias que entranhadas nas
velhas paredes, viraram poeira na última reforma. Poeira, sempre a poeira,
empoeirando histórias e sepultando entulhos.
O final da
tarde debruça um anoitecer lento e pesado sobre as coisas. Estou bem longe do
mundo onde os símbolos que choviam sobre mim os meus próprios invernos, eram
forjados. É outro o inverno. Este chove para dentro, e abre janelas para os
meus sentidos internos. O que me chove é a soma de todos os invernos. Não é uma
chuva de águas. Não é. É uma chuva de tempos.
Gostei bastante, Goretti. Tem esse tom específico que me agrada, e que às vezes (ou quase sempre) tento colocar nos meus textos... Muito bom, escrever, parece que alivia o espírito.
ResponderExcluirÔ Clarinha!!!! Que bom que vc já passou por aqui, conferiu e gostou!!! Beijão, menininha!!!! E, OBRIGADA!!!
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