O que poderia ter sido



Alzira me contou como o havia conhecido e lembrava bem como foi. Era um homem atraente. Avistara-o de longe, conversando animado em uma roda de amigos.  Naquela confluência de ruas no bairro de Jaraguá, nas imediações do Bar da Zefinha, acontecia o lançamento de um livro. Tinham ido para o mesmo evento. A memória a enganava?  Não. Os olhares se cruzaram. Lembrava bem que tendo passado pertinho dele e estando a alguns passos adiante, ouvi-o perguntar a alguém ‘quem é essa?’. Faz muito tempo. Muitos anos. Nem posso dizer que o conheci, Violeta. Eu o vi. Conhecia só de ouvir falar. Um homem tão festejado, não era para menos.

Quando penso naquele dia, a minha vida desdobra até não poder mais. Fico imaginando que outro futuro teria saído daquela noite. Uma intercorrência que poderia ter mudado o meu percurso no mundo, ou então, descarte-se tudo, a ver que tudo não passa de hipotética ilusão. Vem daquilo de a pessoa achar que a vida que tem ainda é pouco. Um excesso de absurdas e hilárias conjecturas. Mas, não deixa de ser coisa de um instante influenciando o presente. É a este hoje, que atribuo o como poderia ter sido. Um festejar de dezenas, dúzias de caras novas, ambientes outros, outros caminhos, afetos, quem sabe, mais apurados, mais correspondidos, mais profundos. Uma vida dentro de outra, talvez menos prosaica, com outras possibilidades. O que teria sido de mim e onde eu estaria agora?

Penso até cansar e esgotar uma suposta felicidade, inventada, bem certinha e diferente da que reconheço como minha. Então a imaginação encurta, fica sem endeusamentos, mirradinha, acanhada. Apago o sonho doido de desejar o que nem sei o que seja e desfaço a tenda. Ô coisa tola é perder tempo com pensamento inútil. Nem vai, nem vem.  Quero outra vida nada. Quero essa mesma que eu conheço. Com os meus deus nos acuda, com meus aperreios. Esse viver de prontidão. Tem mistério não. O que me falta aqui, me sobra acolá. Vivo de compensações, com a mesinha da cabeceira, cheia de livros me iluminando as ideias e um abajur, para apagar no final da leitura, quando o sono chega. Muitas vezes aplaudo o previsível. Dá menos trabalho e a gente não tem que se arriscar. Isso é isso. Aquilo é aquilo. E então?

Mas, só para me atentar, não me sai da cabeça, mulher, que àquele dia em Jaraguá, qualquer coisa esteve a um passo de ser costura. Tinha linha e agulha, mas faltou bastidor, uns seis passos de aproximação, um chegar junto, ‘olá, tudo bem?’ Sei não, aquele converseiro todo na roda de amigos e quando se vê, distrai-se, já não se vê quem passou. Esses encontros, não sei, são coisas de risco, faíscam. Uma alfinetada tão intensa que dói e depois fica latente à lembrança da dor. Ou será que ele perguntou quem eu era só por curiosidade, sem interesse nenhum, hein Violeta? Faltou aquela coisa de fazer a ocasião, circunstância, um alinhavo que fosse, para dar um sinal de intenção. 

Quer saber o que eu acho? Isso está parecendo aquela coisa da agulha atravessar o pano, mas na ponta da linha não ter um nó. Entra por um lado e sai pelo outro. O gesto perde o propósito. E sabe-se lá porque a gente se esquece de dar? Vai ver que o que faltou foi amarração, Alzira.




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