Do poeta Zé Paulo à sua poesia Memória da Flor
“(...) o poeta José Paulo vive em Pão de Açúcar, à beira do rio São Francisco, olhando todos os dias o curso do rio, conversando com a sua gente, sertaneja como ele, fonte de sua inspiração e razão da sua existência”.
Na década de 1980, Zé Paulo cultivava um cabelo tipo black power, escrevia poemas e a cozinha de sua casa era o local onde reunia amigos para estudar e discutir o marxismo-leninismo. Sua mãe, dona Ubaldina, era uma mulher vigorosa, atenta às coisas do mundo e possuía um talento inquestionável para dizer suas verdades, misturando humor e sarcasmo. Em um desses encontros, ela me perguntou se de onde eu vinha, existia uma coisa chamada pente, porque "o seu amigo Zé Paulo precisa de um para pentear os cabelos". Do seu pai, Seu Otacílio, um homem reservado, a frase que até hoje guardo dele, quando uma vez, na sala de estar, se referiu aos tempos modernos: "O homem que casa nos dias de hoje está praticando pra corno". Foram-se os anos e ficaram as pétalas dessas flores, que contive na memória.
Um poeta em movimento, é como bem o define o historiador Geraldo Majella. Os contornos que a sua sombra projeta, desenham o poeta caminhando sobre o calçamento das praças do centro de Pão de Açúcar. Tardes afora, abrigado do sol quente sob as grandes árvores, ele é assim: uma silhueta levemente vergada sob o viver às formas do mundo e de falar sobre ele em forma de poesia. Zé Paulo é fantasmagórico, em seu jeito silencioso de percorrer as mesmas provincianas ruas, de visitar amigos, de emprestar para eles os seus livros, de dizer sobre as coisas que o cercam, jogando frases quase soltas, fazendo extensos intervalos, marcados pelo costume que tem de pousar a mão direita sobre o coração, por seguidos minutos, às vezes ate bem longos.
Parece que ele alinhava pensamentos, como se fosse aos poucos costurando os desdobramentos e como se ficasse esperando que algo de dentro dele fornecesse as palavras. Não é raro abstrair-se em meio à nossa conversa, para um lugar que invalida o momento presencial e que parece arrebatá-lo da realidade compartilhada por todos, para uma viagem para dentro do seu universo, que dilatado até o verso, permite que a flor que ele viu, branca e azul, seja apenas uma memória. A memória da flor. Essa é a belíssima poesia de Zé Paulo, musicada pelo artista alagoano Júnior Almeida, que dá nome ao seu novo trabalho. O lançamento está marcado para hoje à noite, no Teatro Gustavo Leite, no Centro de Convenções.
“Do amor que é ilusão e prazer, antes de significar, move-se ou não se move no céu a abstração”, eu troco a ordem dos versos, para da flor decifrar a memória e para brincar com esse amigo, poeta da minha terra, que há 30 anos publica seus poemas. Zé Paulo me disse que não encontrou a poesia ou foi encontrado por ela: “Poetas não nascem nem encontram. Poetas são simplesmente poetas”. E quando eu perguntei como era ter um poema tão bem casado com a uma melodia, ele me respondeu que: “A música existe nos poemas, no conjunto individual do autor, no conjunto dos poemas de todos os autores. Criei a Cidade Virtual onde a música percorre a cidade fazendo a sua segurança. Esta virtualidade provém do urbanismo”
A poesia constela a virtualidade do céu azul e branco sobre a cidade, suscetível de ser realizada e vista como uma enorme flor. A música é o vigilante da sua segurança e juntas, a melodia e a palavra, reforçam a premissa da racionalidade humana, como conciliadora entre urbanismo e sensibilidade. É então o verso que a expande até tocar nosso universo através de Zé Paulo, esse homem de pouca conversa e de tanto sentido, dono de um universo singular. Infinito, enorme, poético e demasiado, como a Memória da Flor.
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