Conversando com Ricardo Lessa: o assunto é oficina de cinema

"A crítica de cinema é antes de tudo um sonho maquiavélico"

Há apenas um dia para o início da quarta oficina de Cinema: A Anti-fantasia de Martin Scorsese, que acontecerá na próxima quinta-feira, sexta e sábado, das 10h às 12h, no Cine Sesi Pajuçara, trago as opiniões sobre cinema, crítica, e assuntos pertinentes, através do olhar do jornalista Ricardo Lessa, em entrevista concedida ao Ensaio Geral. Lessa é o outro idealizador do projeto, ministrador dessa oficina de cinema em parceria com Ranieri Brandão, e também um dos editores da revista virtual Filmologia.
Ensaio Geral - Em sua quarta edição as Oficinas de Cinema fazem parte de um projeto bem ousado, seu e do Ranieri Brandão. Como você vê Ricardo, a possibilidade dessas oficinas poderem gerar um público fiel, amante da discussão e da crítica, realmente crítica, sobre cinema, e conseguirem o espaço que essa arte tem direito dentro do universo da cultura alagoana?
RLessa – O que me deixa mais feliz (e tenho certeza que é uma felicidade compartilhada pelo Ranieri) é saber que de algum modo, o cinema para além das montanhas, sobrevive nas ruínas do pensamento cinematográfico em Maceió. Mais do que gerar um público fiel (porque fidelidade é algo tão pessoal e distinto, de pessoa para pessoa), temos sempre a intenção de gerar um pensamento fidelíssimo, um pensamento que possa se revoltar, que possa explodir, contrariar, assassinar tudo aquilo que sempre foi tão impossibilitado na nossa região – o pensamento por um cinema pensante e pensado.
Ensaio Geral - Para um bom observador, é possível perceber que o que vocês têm como enfrentamento nesse projeto é o trabalho duro de começar do começo (desculpe a redundância). Digo isso, no sentido de que diferente de outras profissões e mesmo especificações profissionais, na medicina, por exemplo, o profissional já tem um 'público' à sua espera. No caso de vocês, é preciso criar esse público. Como trabalhar o interesse dessas pessoas?
RLessa – É impossível não criar um interesse (uma paixão, na vera) quando se assiste a um filme perfeito na hora ideal. Trabalhar o interesse das pessoas talvez não seja o melhor modo de fazê-las gostarem de cinema (que é diferente do “gostar de filmes”), é necessário, a meu ver, conceber a imagem: quando amamos alguém, amamos a imagem que nos é projetada daquele ser. O interesse está concebido, ali, na imagem. E eis o melhor modo para criar um público cinematográfico: dar-lhes a imagem de(o) cinema.
Ensaio Geral - Em se tratando de algo novo, e tendo em conta que as pessoas, na maioria, vão ao cinema apenas assistir filmes, ou seja, sem utilizar nenhum pressuposto ou juízo de valor à obra fílmica, a crítica que se vê por aqui, a meu ver, não é crítica. Se você se oferece para fazer crítica de cinema à redação dos jornais impressos das mais conhecidas empresas jornalísticas aqui de Maceió, as pessoas dizem que "aqui já tem gente fazendo crítica de cinema". O que é a crítica de cinema?
RLessa – A crítica de cinema é antes de tudo um sonho maquiavélico, porque ela é antes de tudo, imaginação teórica, digo, não é possível escrever uma crítica sem antes sonhar – e o próprio momento em que, magicamente estamos imersos em um grande filme de cinema, é o mais maquiavélico dos sonhos. Ao acordar (isso é, ao fim do filme), presenciamos a mais torturante realidade: que o cinema, pela enésima vez, nos enganou, nos torturou, nos fez chorar, amar, e depois nos abandonou (à luz de nossos olhos), para que como nos pesadelos mais dilacerantes, ao seu fim, o filme fica preso eternamente à nossa memória, após escravizar nossos olhos daquela forma tão poderosa e dolorosa.
Ensaio Geral - Na verdade o público que terá interesse em ler essa entrevista, certamente faz parte do público que já se liga no assunto. Quando vocês fizeram a Oficina de Cinema sobre Almodóvar, tiveram alguma expectativa de um público maior. Afinal, Almodóvar é festejado nas rodas onde as pessoas versam sobre arte e cultura. Você não acha que muitas pessoas, generalizando, que dizem gostar de Almodóvar, se apropriam desse, digamos, símbolo, para dizerem que conhecem a obra sem a conhecerem?
RLessa – Para o bem ou para o mal o que mais existe é o pseudo-intelectualismo quando se trata de artistas como o Almodóvar, que é popularíssimo, ao mesmo tempo em que o seu público mais ativo seja considerado “culto” (eles que geralmente se auto-avaliam assim). Acho que todos nós somos (ou pelo menos em algum momento de nossas vidas fomos) um pouco pseudo-intelectuais, que nada mais é do que negar aquilo que você não sabe. A negação da negação, ou melhor, a negação da ingenuidade. É um conhecimento atrofiático, porque o público fiel de Almodóvar que diz adorá-lo assistindo apenas dois ou três filmes do cineasta, ao invés de exercitar o conhecimento assumindo o seu desconhecimento perante a validade artística do espanhol, prefere engajar-se na bandeira da homossexualidade (porque, pensávamos que o público que iria à Oficina quando o diretor foi o Almodóvar, seria desses que alçam a bandeira da liberdade sexual, amargo engano), quando muito antes dessa bandeira, Almodóvar é um cineasta da imagem e do verbo. Sátira, homossexualidade, perversão, assassinato, é tudo secundário, terciário...
Ensaio Geral - Vivemos em uma época que tudo o que pode ser transformado em signo indicial é transformado nele. Será que o gosto pela cultura, pela arte, hoje, serve apenas como acessório para umas tantas pessoas? Algo para agregar valor pseudo-intelectual? Será que a simulação também permeia os grupos que se dizem conhecedores disso e daquilo?
RLessa - Sim, sim, sim. Quando existe demasiada auto-afirmação (preciso me vestir assim para mostrar que gosto das bandas X, Y, Z, W...; preciso cortar o meu cabelo assim, para mostrar que renego tudo aquilo que é meu de nascença para tentar uma metamorfose vazia em busca do estrangeiro, daquilo que é “superior”, etc), é porque existe a necessidade indicial de encontrar um acessório cultuado e tentar transformá-lo em uma auto-promoção de si mesmo. É tudo simulação, se não for simulacro, porque esses grupos negam aquilo que sempre lhes foram caros, para tentar alcançar um padrão “intelectual” vazio, efêmero.
Ensaio Geral - (Voltando à Oficina) Por que Scorsese? Quais os critérios que vocês utilizam para escolher os diretores de cinema a serem abordados?
RLessa – Não temos um critério bem definido. A Oficina do Scorsese já era para ter ocorrido há alguns meses, não foi possível então naquela altura por causa da imensa quantidade de filmes (principalmente quando comparamos a sua filmografia ao dos outros diretores abordados pela Oficina: Tarantino, Almodóvar e Burton) realizados pelo cineasta norte-americano. E o tempo era curto. Os grandes filmes do Scorsese e os últimos filmes que ele fez, são bastante conhecidos e cultuados pela maior parte do público que freqüenta a oficina. Então, porque não fazer Scorsese? Tinha tudo o que buscamos em um cineasta que consiga atrair admiradores: qualidade, quantidade e popularidade.
Ensaio Geral - Vocês já pensaram em fazer oficinas de cinema para crianças? Abordando desenhos animados, filmes do interesse deles? Têm algum projeto para atrair o público infantil?
RLessa - Sabe que não? O primeiro filme que vi em um cinema foi uma animação. Não sei até que ponto isso funcionaria. É preciso ter público para que isso ocorra. E para esse novo público talvez a forma de publicidade que fazemos desde a primeira oficina não funcionasse. Teríamos que arranjar uma nova forma de alcançá-los. E isso não é nada fácil.
Ensaio Geral - Fale Ricardo...
RLessa - Opa, acho que já falei bastante. RS. No mais, espero que a Oficina seja bem aproveitada por todos. Será um aprendizado geral, para os instrutores e espectadores. Poucas coisas são tão engrandecedoras quanto compartilhar uma experiência. Nos vemos no Cine Sesi, então.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Com quase sessenta

PELO LABIRINTO DE ODETE

LUCUBRAÇÕES DE VIOLETA