A Ilusão da Eterna Juventude

Quando o medo de envelhecer se converte em fuga da realidade

  • Ontem à noite assisti a um excelente filme de Woody Allen: Você vai conhecer o homem dos seus sonhos. Neste ele apresenta, entre outros conflitos que estão no centro e na periferia da nossa existência, uma situação que a gente já está até cansada de ver na vida real: Maridos e mulheres de meia-idade, envolvidos com problemas de relacionamento, que espelham a decadência das relações de afeto, de convivência, contaminados pelos novos valores da sociedade moderna.

  • Entre tantas questões, o filme nos leva a penetrar no medo do envelhecimento, que a cada dia angustia a maioria das pessoas, de ambos os sexos. Quando tudo aponta para o moderno, no sentido de ‘novo’, é natural que as pessoas que envelhecem, generalizando, tenham verdadeiro pavor disso. Afinal, a imagem do velho está associada, hoje, à destituição do seu valor pessoal, social e produtivo. Ser velho é sinal de ser um peso para os outros.

  • Nada há, além disso: a juventude, o prazer sexual, a capacidade de fazer sexo, o consumo desenfreado por produtos que são uma promessa de felicidade e são vistos por isso, como resposta ao sentido da vida A ‘obrigação’ cega em se conservar ‘jovem’ tem levado muita gente a ter atitudes que muitas vezes são verdadeiras falta de senso, para não dizer ridículas. É interessante ver como tanta gente compra a idéia que a propaganda anuncia, o que as tornam ainda mais infelizes e inadequadas.

  • Woody Allen ilumina o nosso olhar, chamando a atenção do expectador para um casal que envelhece. De repente o marido quer ‘voltar’ a ser jovem, o que desencadeia o fim de uma relação de quarenta anos com a sua mulher. (Não vou contar o enredo). As situações um tanto quanto ridículas pelas quais o personagem passa, ilustra situações que têm acontecido bem próximo a gente. Às vezes até na casa da gente, com nossos vizinhos e amigos.

  • São cenas que apontam para uma completa confusão existencial, em desfechos que aprofundam os personagens numa angústia ainda maior. Resultado da negação da negação. A tentativa de fugir de uma realidade, quando não se tem alicerce para encarar naturalmente, mais uma fase da vida. E quando se compra essa ilusão, deixa-se de cumprir a obrigação do auto-respeito e do respeito à própria velhice. Deixa-se de respeitar o ser humano, sua finitude dentro das dimensões do tempo.

  • No mínimo engolir todos os ‘valores’ da sociedade moderna, como se fossem verdades inquestionáveis, levanta questões subjetivas sobre a própria pessoa que envelhece: em que ponto do nosso desenvolvimento psicológico, interrompemos o nosso crescimento rumo à maturidade? Por que nos negamos amadurecer? Por que não percebemos que dentro dessa disposição, nos tornamos meros objetos e deixamos de ser vistos e de nos vermos como pessoas?
  • Qual o sentido de negarmos o tempo vivido em nosso corpo? De abrirmos mão da história que construímos em um relacionamento que começou na juventude? Por que tão facilmente (aparentemente) abrimos mão das pessoas que criaram laços de afeto conosco? Por que estamos abandonando as histórias de nossas vidas para criarmos outras, sobre frágeis pilares de simulações? Talvez porque tenhamos vivido o tempo todo, apenas uma pequena dimensão da existência. Talvez porque nos tenhamos tornado objetos numa sociedade onde não é quase possível explicar o homem como um ser que faz história, cultura, mas como um mero produto substituível por outro, tão logo envelheça.

  • Envelhecer é outra maneira experiencial de viver, de crescer por e para dentro. É vislumbrar a vida sem os véus da ilusão. É olhar uma flor e saber o que ela significa realmente. É olhar a existência e poder dar-lhe significado. É poder enfim, caminhar em direção ao destino que nos espera a todos, sem negar o tempo que nos consome, nem o espaço que nos delimita. Mas aproveitá-los dignamente. É a chance que se tem de ensinar aos mais jovens as grandes lições aprendidas.
  • Negar tudo isso em tentativas de fuga é mergulhar na sabotagem de falsos valores, que acabam por esmagar as pessoas que chegam à meia idade, como parte do lixo que aceitam ser, ao se deixarem triturar pela angústia, na busca ilusória por soluções que acabam levando ao vazio, à tristeza e à impossibilidade de amarem, respeitarem e serem cúmplices de si mesmas e dos outros: seus amigos e, sobremaneira, seus parceiros, que também envelhecem.

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