A infância estava aqui. Onde se encontra agora?
Maria Eduarda
Foto: Elisângela Brandão
Foto: Elisângela Brandão
Antigamente e até os dias de hoje, ainda, a criança é vista com frequência pela maioria dos pais, como um pequeno adulto. Isso ‘justificava’ a forma como essas crianças são punidas quando fazem, naturalmente, coisas que é próprio de uma criança fazer. Não se entende que criança é criança. Afinal, a infância pressupõe além de uma etapa importante na vida de uma pessoa, um lugar especial de começar a prática de ser alguém. O mundo perfeito nessa fase da vida advém da inocência, que brota da própria condição de inconsciência infantil.
A criança é feliz, vivendo uma realidade que totaliza o seu bem-estar, mediante tudo o que a cerca. Sequer é capaz de entender a si mesma como alguém separada da mãe, durante o comecinho da vida. Mas será que essa definição de infância e de sua condição de harmonia, com um mundo perfeito, a qual se refere uma publicação intitulada: A Família – Conflitos e Perspectivas, da década de 1970, ainda são válidos nos dias de hoje?
São 41 anos que nos separam desses conceitos sobre a infância, numa contextualização brasileira, onde se questionava, por exemplo, como o sexo se manifestava na criança. Ali, especialistas no assunto, como Paulo de Tarso Monte Serrat, paulista, médico psiquiatra, premiado em 1999, com o Jubileu de Ouro, diploma de mérito ético-profissional, pontuava que os pais só percebiam tais manifestações quando a criança sinalizava através da formulação de perguntas que se relacionavam a origem dos seres vivos, identificados com a sua própria origem.
A recente leitura, que fiz ontem, no Portal CadaMinuto do excelente texto de Michelle Farias : Sexualização da moda infantil preocupa famílias alagoanas, traz para a reflexão questões que envolvem a oferta pelas lojas, de vestuário infantil - saliente-se feminino -, que expõe a criança a um tipo de expressão de sexualidade, bastante questionável. Destaco duas, que me chamam a atenção: o posicionamento dos pais a respeito do assunto e a presença da mídia como influenciadora do comportamento infantil acerca das roupas e acessórios sexualizados.
A ‘dobradinha’ entre a mídia e a criança, surgem com indícios que evidenciam o controle de ambos sobre a situação. É verdade comprovada, a influência que a mídia exerce sobre a criança. E a matéria é interessante justamente por trazer para o palco, uma amostra dessa realidade. Mas isso nos lança, de imediato, à ampliação desse horizonte identificador de criança e mídia - que são o somatório - do que não está explícito. Quem determina a ‘fragilidade’ da autoridade paterna e materna? Quem deve continuar no controle dessa situação? A mídia influenciadora? A criança que faz birra pra escolher e usar o que quiser ou seus pais?
Crianças, por mais espertas e inteligentes que sejam, são apenas crianças, que deverão sob a sadia influência dos pais, construírem os alicerces seguros dos adultos que serão. Somos nós os adultos, aqueles que sabem o que é bom para uma criança e o que não é. A seleção do que será concedido como alicerce a ela, cabe à gente fazê-la. Vermos as crianças como adultos pequenos, revela o quanto estamos confusos, quanto a nossa própria maturidade e nossa condição de adultos que precisam saber basicamente quem somos e o que queremos, e ainda o que é bom ou não, para ser excluído ou estimulado, dentro do ambiente familiar.
Talvez a ensurdecedora propaganda de liberdade total na criação dos filhos, diga-se, geradora dessa indisciplina, seja a causa de nem sabermos mais filtrar o que serve de alimento à formação de uma criança, nem mesmo à nossa. A educação voltada à sexualidade, não prescinde do olhar crítico refinado e de sabedoria, para que tenhamos a capacidade de avaliação do que, sobretudo, determina o comportamento das crianças frente à mídia. Antes dela e da sua influência, está a dificuldade dos pais em entenderem o que se passa, para serem razoáveis e manterem a autoridade que lhes compete, sobre os desejos das crianças.
Se não se tem maturidade suficiente, nem entendimento da situação, é possível que os pais também nem se apercebam do quanto estão sendo influenciados pela mídia. Sem se darem por conta renunciam ao dever de educar sexualmente suas crianças. Fazem parte das racionalizações, colocarmos a resolução dos problemas para além de onde estamos. Brecar um tipo de vestimenta é muito mais do que frustrar uma criança em seu desejo. É acima de tudo, estabelecer um parâmetro para educá-la sexualmente. É evitar que ela se vista para ser atraente, vendendo uma imagem sexual e não sensual centralizada no corpóreo, como único atributo feminino.
A única forma de coibirmos esse tipo de coisa é termos consciência do que ela representa como proposta e pressuposto norteador para nossas crianças, quantos aos futuros relacionamentos, que elas terão. Inclusive na relação e no grau de importância sobre seus próprios corpos. E essa é uma questão séria. Estamos literalmente permitindo a desvalorização e a redução do âmbito de valorização do sexo feminino, e em consequência, perpetuando um comportamento equivocado nas crianças do sexo masculino, em resposta à mensagem que permitimos que as meninas enviem, através da apelação do vestuário. Eis uma das razões, pela qual a atitude à nossa interferência na escolha do vestuário das crianças, é justificada, eficaz e resoluta.
De outra forma, permitimos a perda do espaço da infância no mundo atual. É um fato que a comportamento infantil cada dia se aproxima mais do adulto, com prejuízo à imaginação e à simbologia infantil. Mesmo com a diferença entre a nossa geração e a geração das crianças, haverá sempre a necessidade da imposição de limites, para que se possa obter uma consciência de vida social, que não exclua os perigos à sexualidade infantil.
A maior parte do sofrimento humano está ligada às relações humanas e às questões ligadas à sexualidade. A gente não pode deixar de querer aprofundar o assunto e se posicionar acerca disso. E tal atitude é dever, principalmente, dos pais.
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