O coco abre a roda para o espetáculo Pros Pés de Jurandir Bozo
Com a palavra: Jurandir
Bozo artista popular alagoano que sobe ao palco do Teatro Deodoro, hoje à noite,
para apresentar o seu espetáculo: Pros Pés. Bozo comemora os seus 15 anos de
carreira. O show abordará os trupés tradicionais - que no dicionário informal é
sinônimo de barulho, bagunça -, a musica popular mais contemporânea
dentro do universo da cultura alagoana, sem perder sua essência,
característica sempre presente em seus trabalhos. Desta vez ele promete abrir
espaços apresentando os meninos que estão dançando o coco atualmente, dentro de
uma perspectiva que os engaja como feitores e propagadores do coco de roda,
longe da rivalidade dos concursos. É um espetáculo genuíno que se volta às
tradições e que busca agregar outras leituras à identidade cultural alagoana
1_A
discussão levantada a partir do seu texto: Universo da cultura popular em
Alagoas, publicado em sua coluna, no site Alagoanos, Sobretudo Cultura
(www.alagoanos.com.br) surge no momento em que está em discussão, também,
termos como folclore e folguedo. O folguedo remete à brincadeira lúdica,
genuína, onde a presença dos brincantes e a assistência das pessoas acontecem
de forma espontânea. Para você o pagamento de cachês aos grupos que se
apresentam é uma forma saudável de mantê-los atuantes ou ajuda a torná-los em
vez disso, peças de um espetáculo, distantes ainda mais da identidade cultural
que lhes deu origem?
Não temos mais como voltarmos no tempo, e tampouco em
redefinir as prioridades desse mundo. Temos que entender ou assimilar essa
nova estética de valores mesmo, mas sem
perder a essência.
Não vejo
problemas em se tratar alguém que faz algo com extremo potencial artístico
e beleza artística como artista, e ser pago por isso é apenas se fazer
justiça a tal talento, como tantos outros artistas que assim recebem,
desmerecia em que a manifestação se um mestre ou seu grupo recebe para dançar? Será
que essas comunidades que abrigam seus grupos conseguirão ser hoje, o que foram
há 30 anos atrás?
Como esse
jovem se relaciona com o mestre? Tem que dar visibilidade a esse mestre sim, e com
olhos de encanto e de admiração. Fica mais fácil o diálogo, se esse
mestre tem seu cd, se faz apresentações legais e seu grupo está com o figurino
bem elaborado, esse jovem vai participar e vai querer estar ali. Mas como fazem
hoje eu acho complicado. Tantos editais e não vejo as entidades
que defendem esses mestres entrarem em nenhum... Aí
complica...
A ASFOPAL
mesmo tem 25 anos, e quando vamos ver não formou um mestre se quer para ser o
presidente... Poxa. Associação de pescadores tem um pescador
na presidência, a de agricultor tem um lá, sendo uma liderança. Será que
em 25 anos não se teve como trabalhar uma ação voltada à protagonização e
articulação de lideranças com esses mestres? Acho isso complicado...
2_ Estamos falando
sobre a preservação das manifestações culturais alagoanas. Nesse contexto é
relevante identificar, primeiro, talvez o nosso principal problema, que seria o
que determinou a quase total ausência da prática do folguedo, que tinha como
característica, a brincadeira. A morte de mestres suscita a preocupação por
parte daqueles que estão empenhados com a cultura popular: quem transmitirá o
conhecimento acumulado por eles às futuras gerações e em que se alicerçará a
transmissão?
Essa é uma questão que me preocupa há certo tempo já,
inclusive, produzi um espetáculo chamado "O que vem depois dos
Mestres?", nele, estavam artistas que bebiam da cultura popular e a
abordava de forma contemporânea.
Tinha um projeto, na coordenação de cultura da Secretaria de
Educação, que levava os mestres às escolas e lá se montava pequenos grupos e
tal, era uma forma legal de socializar os folguedos com os alunos, pena que não
tinha grande visibilidade, o lado bom desse projeto é que não
era só o mestre, a cultura popular, era professor de teatro, música,
dança...
A comunidade se enxergava como algo legal, e se valorizava. Assim
fica mais fácil para o mestre desempenhar seu papel e atingir o público
sem preconceitos dos mais jovens. O governo Téo Vilela acabou com o projeto que
se chamava agente cultural, se não me engano. Era uma ação massa, que precisava
de mais atenção do governo. Só os coordenadores se doavam. No mais, do secretário
ao governador, não havia interesse. Era o que transparecia.
Outras questões inviabilizam, e são corriqueiras, em nosso Estado: o
amadorismo dos gestores que caem de pára-quedas em trincheiras culturais e a
falta de articulação política da classe artística... Mas tem exemplos
positivos, aqui mesmo, de articulações culturais que dão certo.
O exemplo do Maracatu Baque Alagoano e do Coletivo Afro
Caeté... Hoje ambos têm ações que trabalham a propagação de seus respectivos
nomes, oficinas, apresentações em universidades e etc. Muitos jovens e outros nem
tão jovens assim, vão às oficinas e participam dos grupos. Para isso é preciso
divulgação e trabalhar de forma mais profissional a nossa cultura popular,
pensar nela como um produto que precisar atingir um público e ser consumido.
Hoje o marketing é muito importante e extremamente
necessário, tem que se ter gente para pensar nessas coisas com frieza, e aí
deixar a paixão com quem faz a festa, que são os mestres e os seus brincantes.
3_ O surgimento de
novas maneiras de dançar o Coco ou de apresentar o Boi, por exemplo, supõe que
cada geração ocupa os espaços culturais se utilizando de expressões artísticas
que vão agregando ao conhecido, novos elementos. Como você vê o fato de que
expressões estranhas à nossa cultura tenham sido introduzidas em nossos
folguedos? Será que está aí, um dos problemas acerca da estilização, daquilo
que era original e autêntico?
Creio que essa sua pergunta foi a mais feliz, das tantas que
venho respondendo nesses anos todos... SIM! É fato e não tem o que se
justificar sobre a estética de uma modernidade vazia que os grupos atuais
vinham propagando... Mas a minha provocação é anterior, não ao tempo, mas sim
ao fato, porque ninguém chegou para trabalhar esses
meninos, falo meninos porque hoje convivo com eles e temos dialogado e eles me
escutam, assim como tenho escutado eles, e eles aprendem e nós aprendemos
também.
Nilton que é o marcador do coco de roda no Jacintinho. Era o
coco de roda que mais estilizava dentre os tantos cocos. Com 26 anos, ele tem
11, só de Xique-Xique. É um dos mais velhos que organizam o coco da atualidade.
Foi presidente fundador da liga dos grupos de coco de roda. Segundo ele, tem
menos de dois anos que ouviu falar no nome do Mestre Verdelinho.
Foi o primeiro a por num concurso de coco os trupés
tradicionais do pagode, pela primeira vez um coco de roda (estilizado) se
apresentou em um concurso com passos do coco tradicional e seguindo a
uma estética coreográfica condizente à proposta, voltada as
tradições.
Daí, muitos outros cocos começaram a fazer o mesmo, num
processo em cadeia.
Fantástico! O ponto negativo é que muitos dos cocos começaram
a se utilizar apenas dos trupés, sem ter o mínimo conhecimento de onde e nem
como utilizá-los ou para que ele era usado. Mas é um mal bem menor ao de não
conhecê-los.
O 40 arrebatido, um cavalo manco, um chipapa, hoje, quase
todo dançarino de coco sabe fazer, além de estarem descobrindo
a importância dos mestres e da cultura popular tradicional. Demétrios
Paulino (dançarino do coco Xique Xique), que vai estar em meu grupo nesse
projeto, em dez anos de coco, sempre quis conhecer os trupés dos mestres e não
encontrava onde aprender. (Ele é uma exceção).
Reis do Cangaço, Rosas de Saron, o Xique Xique, o Pau de Arara, Novos Tempos,
Renasce, tenho conversado com muitos coordenadores de cocos de roda. O
coco está em um momento singular de redefinição de estética e busca
de um diálogo que estava perdido entre a atualidade e a tradição.
Os bois é outra coisa. O que se sabe é que ele se tornou uma
variante do Bumba-meu-boi. Quando isso aconteceu e por quê?.Tem bem menos
publicações voltadas ao tema, e a falta disso já é algo que complica uma
relação com as tradições, na verdade desconheço uma publicação específica
que trate do boi alagoano. Ele precisa de um trabalho mais arrojado: estudos,
definições e publicações que fundamentem pesquisas e definam características de
identidade cultural.
A assimilação de expressões estranhas nessas manifestações,
eu creio, já foi mais excessivo. As canções das modas que eram cantadas nos
bois e cocos, não estamos mais vendo tais "delitos" culturais (rs). A
grande questão é dialogar com esses segmentos que têm uma grande penetração em
suas comunidades e assim mediar algo que seja legal para eles e para a
perpetuação de nossa cultura.
Não sou acadêmico, e por isso não estou fazendo
pesquisa e nem tenho bolsa de qualquer universidade, também não aprovei
projetos para justificar algum ganho nessa historia toda. Faço, acredite quem
quiser, porque gosto, porque essa é minha vida e adoro fazer. Mas se querem
acreditar que faço por dinheiro não posso fazer nada.
Agora, que busco uma cena profissional, eu busco. Quero ver
sim, e se preciso for ajudarei aos cocos, participando de editais, os mestres
ganhando grana, e ganhando grana com suas apresentações, mas também quero ver
esses meninos sabendo o que são e o que representam, não só eles, mas
a manifestação que eles defendem.
4_A ideia do novo,
como característica trazida pela modernidade, em muitas ocasiões, tem evocado o
fim das referências tradicionais. Nesse aspecto entra a questão da cultura de
massa, como proposta que transforma tudo em produto de consumo, inclusive os
folguedos populares. Como sensibilizar a alma alagoana, no sentido de
recapturar a identidade popular e de cultura da nossa gente, para a sua
valorização e pertença? Aonde foi que negligenciamos os conteúdos da nossa
alegria e brincadeira?
Negar a cultura de massa ou achar que buscando identidade
cultural alagoana estaríamos livres dela é algo utópico.
Um exemplo positivo mesmo que é Pernambuco, na grande festa da lavadeira
ou até mesmo no carnaval, tem as manifestações tradicionais, como tem shows e
apresentações de diversos segmentos da modernidade, temos é que encontrar nossa
fórmula, esse "problema" não é só nosso. Não podemos é confundir respeito
com subserviência.
Temos posto em evidência, características de uma
alagoanidade dos latifundiários e da elite da cana. Não devemos negar
que a cana tem seus benefícios, mas não podemos deixar de enxergar que em nosso Estado, ainda
convivemos com as políticas dos currais. Vejam as regiões e as liguem a um
político e aÍ vocês vão entender o que falo...
Temos que ver os Mestres como eles eram antes, líderes comunitários,
e muitas vezes servindo a forças que não traziam bem para o povo, pois quem mantinha
as brincadeiras em alguns casos eram os grandes fazendeiros
ou políticos e isso sendo feito quase sempre a critério de
favores.
Talvez hoje tenhamos que trabalhar para buscarmos uma
cultura popular politizada e articulada, capaz de se articular e superar os
entraves da modernidade vazia, pois ser moderno não é o problema, mas sim, como
se chega nessa modernidade ou como se busca a mesma. Será que consegui
responder?
5_Grosso modo estamos
diante de situações que expõem a realidade da cultura popular alagoana: a
manutenção dos que trabalham com arte genuína, as intercorrências do novo, ou
seja; sua agregação tendo como referência os folguedos tradicionais e os
problemas que envolvem a preservação das manifestações culturais, como locais
da expressão da alma alagoana. Você acha que é possível a conciliação positiva
entre os que pensam e amam de diferentes pontos de vista, a cultura popular,
hoje, em Alagoas?
RS...
Acredito sim... Talvez não agora, mas em m curto espaço de
tempo. Eu queria expor a problemática e assim com a polêmica se
falar sobre o assunto e veja o que está acontecendo... rs
Não adianta só a lei que dá aos mestres uma bolsa para que o
mesmo possa continuar passando seus conhecimentos e mantendo a cultura viva. Se
ainda partilharmos que ela (a cultura popular) tem que ficar escanteada ou
sendo tratada como segmento de segundo gênero. “Ah! é cultura popular...
aí se cola porque tem que preservar o bichinho do mestre..." Esse discurso
de coitadinho não funciona mais.
Temos que estar preparados e preparar esses mestres com seus
grupos para estarem onde estiveram se apresentando por merecimento e talento,
que é o que eles, mais têm e não porque é importante pra preservação ou
porque tem que ser feito algo em prol de...
Lógico que é preciso preservar, lógico que tem muitas coisas
que ainda partilham de um traço quase assistencialista, mas temos que procurar
dar uma maior visibilidade à cultura e fazer dela o que ela é ou já foi, algo
legal pra se divertir e brincar dançando e cantando.
Ficou muito legal! Valeu mais uma vez por tudo!
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