Por falar em amizade, o senhor fique à vontade
Tinha nada que ter dito o que disse. Mas falou. Depois ficou desconcertada, fazendo as obrigações pela metade. Concluí-las mesmo, não concluía nenhuma. Foi o embaraço de ter-se revelado tão carente, a quem até agora não se deixara conhecer de forma alguma, que fizera Violeta ficar desse jeito.
Mas homem, como é que fui mendigar a amizade de seu Antônio? Que cara de pau a minha. Bem que minha mãe dizia ‘tenha sentimento, menina!’ Não sei falar com uma pessoa todo santo dia, sem fazer algum tipo de amizade com ela não, gente. Outra coisinha é que, quando estou alegre, digo. E quando alguma coisa me incomoda eu falo. Também sou de perdoar logo e lido com as espinhas de garganta, comendo um punhado de farinha seca e tomando um copo com água depois. Minha raiva é besta, passa fácil. Meu coração dá um jeito de se consertar ligeiro. Só quando a ofensa é grande demais, aí sim, eu fico remoendo. Mas dessa vez... que desgraça. Eu tinha que aperrear o homem ‘Seu Antônio, o senhor é tão frio comigo...’. Misericórdia! Teve a ver com esse dia de chuva. É, pode ter sido. Tempo sombrio, tudo muito quieto e eu me sentindo sozinha. Só pode.
Falou isso tudo pra mim, mas, se vou dizer o que penso, Violeta me acusa de implicante e se defende, a cara mais lisa, racionalizando a situação e passando a mão na própria cabeça. ‘Que foi bobagem, foi. Eu sei. Mas é que...’ Mas é que o que, mulherzinha? A coisa é essa, humilhou-se e pronto. Sem nenhuma precisão, que pelo que sei, Seu Antônio tem mais o que fazer. É pessoa muito cercada de gente e de atenção. Precisa ser mais amigo de ninguém não. Violeta, você tenha juízo!
Ela foi saindo da conversa, andou por ali, desceu as escadas fingindo estar convencida do “mas-é-que” como justificativa à besteira que fez, e já no quarto, procurou uma pecinha qualquer para ajeitar uma bijuteria. Despropósito. Quando não está com a cabeça em ordem, atrapalha-se. Abriu quatro organizadores de uma vez só e espalhou a bagunça em cima da cama. Pegou um novelo de lã. Os pensamentos desobedientes permaneceram ali aporrinhando, martelando aquela conversa. Quando deu por si, já estava com lã na agulha, tricotando não sabia nem o quê. Continuou tentando aliviar-se daquele mal estar, mas percebeu que nem o tricô fazia direito. Os pontos sobraram e outros se perderam na passagem de uma agulha pra outra. Que chateação! Tinha jeito mesmo não. Melhor deixar aquilo pra lá também. Guardou tudo.
De passagem pela cozinha, resolveu tomar um café e pensou em como consertaria a miséria que tinha feito a si própria, se ainda pudesse. Mas entendeu desanimada, que seria que nem botar remendo novo em roupa puída. Aquilo tinha sido uma desgraça mesmo. E pensar que Seu Antônio só respondia com uns ’oxentes’ e ‘eu não estou entendendo’. Como o senhor não está entendendo? Essa pergunta veio à ponta da língua, mas ela não disse mais nada. Ainda bem. Um constrangimento a menos. Deixou a conversa esvaziar, naufragando no silêncio que se seguiu. E saiu da presença dele com a nítida sensação de ter sido uma idiota. Maluca.
Eita, que coisa bem empregada. Murchou à convicção do passo em falso que dera e ao arrependimento, agora, penosamente assumido. Seu Antônio, pode ter a gentileza de me desculpar a doidice?. Seja meu amigo se quiser. O senhor fique à vontade.
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