Todos os barcos

Quando Violeta abriu os olhos naquela manhã - que nem sabe precisar quando -, viu que era a última de tantas outras dormidas e sonhadas - de sonhos perdidos. Perguntou-se se aquilo tinha que ter sido daquele jeito e, sem outra resposta que não fosse aquela, correu a modificar todas as lembranças. Eram todas inexatas, algumas falsas, algumas meticulosamente dispostas como se fossem verdadeiras. Serviram ainda as fotografias? Quem sabe. Veria depois, sem vexame.

Havia sobrevivido a uma dor renitente que há anos doía. E como doía. Mas, com insistência cobriu-se e a seus olhos, e aos seus sentimentos, com uma desonestidade de fazer ainda mais dó. Ridículo aquilo. Seria para salvar-se a si mesma do insucesso no amor? Sei lá... Para que julgar-se? Mas, admitia ter se servido sim, de subterfúgios, para atravessar um sentimento nunca correspondido. Era só a vontade dela, O que em vez de ser uma pena, para a sua surpresa, foi um sucesso às avessas. 

Violeta ponderou que todas as suas lágrimas produziram um rio navegável e que mesmo não estando à flor da idade, trazia, ainda, um coração jovem e animado. Moveu-se correndo às margens, descalça, pisando a areia amarela, são franciscana, e viu, enfim, todos os barcos. Os que fazia tempos que não enxergava. Eram embarcações a escolher. Preferiu uma pequena canoa, olhou a direção dos ventos, içou as velas e navegou a água doce, tranquilamente, na alegria de voltar para casa. 



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