Apresentando Beta Basto

Uma artista plástica que é matéria em revistas estrangeiras

Ao passear pelos espaços onde quadros da artista Beta Basto estão expostos, o visitante pode se deparar com este que ilustra a página. Ele apresenta um ruidoso grupo de brincantes, festejando a alegria carnavalesca, sob a luz do dia. Pleno e límpido, o céu é de um azul impecavelmente ensolarado, que equilibra a cena através de uma linha horizontal que parece sustentar os lados que a emolduram de um canto a outro, onde bandeirolas dependuradas surpreendem a verticalidade de três grandes estandartes. O cenário é maceioense. Possivelmente, encontra-se o grupo no bairro de Jaraguá, porque a artista alagoana, participante da exposição Artistas Brasileiros, no Senado Federal, sinalizou em suas bandeiras, de onde e quem é aquela gente folgazã. Ela o faz referenciando um dos conhecidos times de futebol de Alagoas, o famoso Bloco Pinto da Madrugada, e outro bem sugerido, o Bloco Arte. Em um cartaz nas mãos de um dos brincantes, Beta se inclui na própria obra, assinando sua representação plástica, harmoniosamente colorida, alegre e que testemunha a disposições do espírito popular, revelando, sobremaneira, traços do temperamento alagoano.
 
Olá Beta!
 
Apreciar seus trabalhos é ver, além de outras coisas, o modo pessoal, de como você olha para dentro de si e para o entorno. Constante, a figura humana, até mais que a própria tela, é o suporte, a base, sobre a qual você faz brotar cenas de nudez, folclore e cenários de festividades populares. O calor da sua imaginação deixa uma trilha sobre seus quadros que lhe ‘escreve’ enquanto você nos presenteia com olhares que debulham o viver. Daí eu pergunto: Quem é a artista plástica Beta Basto?

Beta Basto - Quem é a artista beta basto? (É de sua preferência escrever as iniciais do nome e sobrenome em letras minúsculas) Uma mulher que não gosta do que é apenas bom. Sempre procura melhorar. Observar o que move minha criatividade. De uma lavadeira no rio, das fitas de um guerreiro voando no ar, ao corpo humano. Nada na sua essência. O brincante é vestido por mim, seu rosto é meu. Não gosto do quadro pronto. Deixo que o observador o termine. Se nu, que o observador o desnude ou cubra com flores e folhas. Quando viajo no cotidiano, que chamo naif* beta procuro mostrar coisas que já vi ou vivi... Mais inocentes possíveis... É um recordar!!!
As pessoas são curiosas no tocante à criação dos trabalhos de um artista. Como é que seus quadros nascem? O que vem primeiro? O desejo de produzir, e daí você busca inspiração, a inspiração vem primeiro ou ocorre tanto uma disposição quanto outra?

Beta Basto - A criatividade nasce de um exercício diário de observar... A vida, galerias, exposições de arte, nada escapa meus olhos... Daí a ideia surge do nada e esta ideia sempre acaba bem diferente... É surpreendente ver o trabalho depois de pronto. Acredito que criar é Divino, pois sinto que não fui eu sozinha que o fez.
 
Em seus quadros é possível ver trabalhos bem distintos. Chamam à atenção as figuras dos nossos folguedos pintadas por você: Impessoalidade nos rostos – a não caracterização do indivíduo parece ter a função de envolver o observador para todo o conjunto -, e que aparecem, não raro, sobre fundos geométricos, que apontam para invariantes, como se mesmo em tempos de transformações e intercâmbios culturais, alertassem para o mérito da sua constância, como identificadores da nossa cultura. É este o seu apelo?

Beta Basto - Não me prendo a padrões preestabelecidos. Faço pesquisa sobre folclore. Tenho pastas de fotos de brincantes. Quando vou pintar vejo foto por foto e guardo a minha pasta. Os brincantes vão usar roupas criadas por mim. Sem perder a identidade de cada folguedo. Gosto de mistério e simetria Daí os rostos parecidos, o olhar em direção a quem o vê. Gosto, de quando pinto, que fique a pergunta, por quê?? O quadro não deve terminar na ultima pincelada... Cada pessoa que observa, continua sua criação.
 
De outro modo, quando pinta seus nus artísticos percebe-se que a artista dá um mergulho no inconsciente. A presença de traços geométricos é por vezes persistente, desdobrando, e ‘quebrando’ as figuras que paradoxalmente se entrelaçam, sobrepondo-se à própria nudez; uma proposta que invalida leis físicas e libera a sua imaginação. Como esse tipo de trabalho é recebido pelo fruidor da sua arte?

Beta Basto - Quando pinto o nu, a criatividade fica, mas solta. Não estou presa a regras estabelecidas. Não gosto do nu erótico. Não acho bonito. Gosto do mistério. Dos corpos entrelaçado como se fossem um só. Deixo para quem vê desnudar meus nus, ou cobrir com as flores e folhas. Infelizmente, aqui em Maceió, apesar de serem os preferidos em elogios, não tem público para comprá- los. Já vendi um e a cliente devolveu, porque a mãe não queria um nu na casa da filha... (risos). Faço parte de grupos internacionais de arte, e lá fora eles adoram meus nus. Pedem-me para ficar nesta linha... Mas!!
 
Você começou a pintar em 1968, conta com quatro exposições individuais e várias coletivas. Também é ganhadora de prêmio em uma das edições de arte do Exército. Além disso, é alvo de matérias recentes em duas revistas estrangeiras: uma árabe e outra americana. Dona de maturidade artística, suas obras são de bom gosto e marcadas por um senso estético original e bem versátil. Têm personalidade e asseguram com louvor, o seu lugar no cenário das artes. Em alguns dos seus trabalhos parece haver referência à arte de Volpi e Picasso. Há em você o propósito em fazer isso?

Beta Basto - Não me espelho em nenhum artista. Van Gogh e Matisse, quando comecei a pintar em 1968, eram meus preferidos, pois o professor Lourenço Peixoto, ensinava mandando o aluno copiar. Passei um bom tempo, sem pintar até descobrir que conseguia criar... Mas desde Lourenço Peixoto, só pintei figuras humanas. Gosto do surrealismo**. Já tive minha fase... Não tão forte como os de Salvador Dali. Acho que até hoje uso um pouco do mistério do surrealismo... Lá longe, nas minhas figuras que se fundem no nu e no folclore!!

Gostaria que você ‘desnudasse’ para os leitores do Ensaio Geral, o quadro que ilustra esta página. Honrosamente Beta Basto, o espaço é todo seu...
Quando fiz este quadro de vários brincantes, de várias vertentes do folclore, fiz na intenção de unir, em um só quadro, a cor, vestimentas, adornos, como se fosse um retrato da alma de cada um deles... E a alegria única de participar de um folguedo!!
 
* Arte naif: criação artística instintiva e espontânea realizada por pintores autodidatas que sentem uma impulsão vital de contar suas experiências de vida.
 
**Surrealismo: Escola artística que busca retratar o espaço do inconsciente, através da abstração ou de imagens simbólicas.

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