Cidinha Madeiro: a poetisa da imagem


Foto:Cidinha Madeiro  vencedora do concurso da UNICRED Nacional
Nos lugares aonde se respira e transpira cultura, é quase impossível para alguém não conhecer Cidinha Madeiro. Poetiza da imagética, encontrou o amor à arte fotográfica, quando comprou com a sua mesada, sua primeira câmera fotográfica. Tinha entre 15 ou 16 anos. Daí em diante não parou mais. Participante de algumas exposições coletivas é vencedora do concurso nacional da UNICRED, tendo sua fotografia, Mar de Espumas, ilustrando o mês de novembro do calendário anual 2012 da instituição. Artista amadora, as suas imagens filtradas da realidade, têm garantido suas premiações, também, no Prêmio Espia, desde a primeira edição do evento. Convido os meus leitores à excelente conversa!
 
1 - Ensaio Geral - Cidinha, a diversidade das expressões artísticas, hoje, mais do que nunca, permite a interdiscursividade. Vendo os seus registros fotográficos, tem-se uma visão realista do cotidiano, de uma forma muito parecida com o que a escritora Adélia Prado faz, quando escreve. Singelezas da vida, que sem a lente humana da sensibilidade, não exporiam a relevância que têm. O que move você a recolher pérolas dentre cenas e coisas tão comuns?

CM - R - : Posso dizer que sou uma pessoa atenta para a vida,ou melhor,para as coisas boas da vida.Sou observadora das singelezas do dia-a-dia. Pequenos grandes detalhes do nosso cotidiano. Cito aqui a escritora carioca Ana Jácomo: “Meus olhos não são econômicos para o que é bonito, duas câmeras castanho-escuras que buscam oportunidades para registrar belezas disponíveis e algumas vezes até encabuladas”. A simplicidade das coisas me chama atenção, tenho olhos atentos para luz e cores, para pequenos detalhes do dia-a-dia. Na verdade, quem fotografa, talvez traga em si, uma vontade de “congelar” o tempo, guardar lembranças através das imagens. Fotografias são registros adoráveis de se ver. Costumo andar com máquina fotográfica na bolsa, isso tem me proporcionado oportunidades de registrar fatos inesperados do dia-a-dia,uma flor em botão, um pôr-do- sol, enfim, cenas e objetos diversos... Há cerca de 20 dias, estava eu no Rio de Janeiro, no carro de uma amiga, passando pela Urca, quando pedi pra ela reduzir a velocidade para que eu pudesse fotografar uma curva bonita do bairro. Em fração de segundos ouço gritos. Assustada, achei que fosse assalto, quando ouço do lado, uma voz vinda de outro carro: ”oi tudo bem?”. Quando olhei, percebi que era o Roberto Carlos, como eu estava com a câmera “ligada” na mão, fotografei de imediato. Daí, percebi que os gritos eram de tietagem. Até brinquei, sou “CHICÓLATRA”, vim ao Rio para o show do Chico (Buarque) e encontro o Roberto Carlos dando sopa num sinal vermelho. Coisas assim... Gosto de registrar o momento. Uma cena não se repete, cada instante é único. Gosto “desse” captar de imagens. Essa possibilidade de registrar o momento me fascina.
 
2- Ensaio Geral – Entre o fotógrafo e o objeto ou motivo a ser fotografado, está posta a lente que enquanto mediadora pode bloquear a captação de subjetividades, indo direto àquilo a ser fotografado, pura e simplesmente. Você acha que o espaço ‘limitado’ do visor da câmera delimita também a sensibilidade artística de quem fotografa ou não? Suas fotos são depositárias de sentimentos, observação apurada nos detalhes e beleza. Como isso acontece?
CM –R: De certa forma há uma limitação, mas não um impedimento. A fotografia é um registro de certo momento e pode traduzir de maneira melhor ou pior a cena ou o objeto fotografado. Isso sem qualquer recurso de retoques/ manipulação de fotos, que, por sinal, eu não utilizo gosto da imagem natural e não uma cena montada. Já me disseram: “fotografia é olho, você parece escolher o ângulo certo”. Se fotografo uma planta, uma flor, uma fruta, um pássaro, etc, eles não fazem pose pra mim, não sabem fazer o vento parar (risos). Da mesma forma que o mar não pára a onda para esperar o meu clique. Tenho um olhar poético, poderia dizer. Fotografo de forma empírica, “pela lente do amor”, como diz a canção. Tenho olhar atento. Por exemplo, não canso de ver pequenos detalhes do mar, do pescador em seu ofício; o ato de jogar a rede ao mar é de uma beleza indescritível... É cena para ver, rever e se extasiar. Não tenho nenhuma técnica especial, a não ser as minhas próprias, a minha intuição e sensibilidade. Parafraseando Otto Lara Resende, tenho olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. E esse espetáculo acontece à nossa volta. É só olhar com os olhos da alma.
 
3- Ensaio Geral - Costumo observar com calma os trabalhos dos meus entrevistados, porque eles me dão pistas sobre seus próprios terrenos, onde, naturalmente, vou adentrar. Você não possui máquina profissional e diz que fotografa por puro prazer. Mas, está claro, que você não constrói o seu repertório imagético de modo aleatório, mas situando aspectos elementares à vida. Enfim, há intenções. Que tipo de prazer é esse? Estético? Intimista?
CM- R: Não sei se há intenções reais da minha parte. Adoro fotografar sem compromisso, apenas pelo prazer de fotografar. Não me canso de admirar o belo. A natureza, além da beleza, tem a capacidade de se reinventar e se mostrar diferente em cada imagem, em cada ângulo, ainda que no mesmo lugar. O mar mostra seus matizes de cores que vão do turquesa ao verde turmalina. O azul do céu se faz diferente,o vento faz o balanço do coqueiro “posar” de outro modo. Na Barra de São Miguel, costumo sair de barco (adoro as embarcações mais simples, canoa a remo ou à vela, jangada) contemplando os encantos do mar, lagoa, rio, barco, pescador, peixe, pedra. Cada dia é um novo dia. Cada momento é único, não se repete, assim como cada imagem. Fotografar é ter olhos atentos para captar esse momento. Mais uma vez me valho de uma citação bonita: “Os fotógrafos têm a mesma função dos poetas: eternizar o momento que passa” (essa é de Mário Quintana).
 
4- Ensaio Geral – Em um universo onde as flores, cenas de folguedos, paisagens, estão bem presentes, as imagens que por certo revelam o que prende a sua atenção, ultrapassam a dureza da documentação fotográfica contemporânea dos meios de comunicação. Através da sua percepção, o que você documenta é um mundo suave e possível; colorido, harmônico e tranqüilizador e, ainda bem, acontecendo, apesar de tudo. É essa a proposta?
CM- R: Talvez, sim. É bom contemplar o simples. Assim como observar as diferenças que o tempo traz. Como transforma as pessoas, a paisagem urbana, rural, litorânea... Quando necessário, eu também fotografo os meus pacientes (algum detalhe que seja útil em termos de comparação da doença), mas não gosto de exibir essas imagens desnecessariamente; são imagens guardadas no consultório e com o próprio paciente, não imagens para divulgação, para contemplação ou coisa que o valha. Uma articulação muito edemaciada hoje pode estar bem melhor na semana seguinte, ou pior, a depender do caso. Nesse caso serve como parâmetro, de avaliação. Fotografias nos fazem voltar no tempo, rever pessoas, casas, cidades, árvores que deixaram de existir. É uma forma maravilhosa de registro. De ver o que construímos e que destruímos. E não deixa de ser agradável contemplar o que alegra a nossa alma, refletido na retina.
 
5- Ensaio Geral - A fotografia está consagrada, definitivamente, no campo artístico, conceituada como arte visual. Toda expressão artística pressupõe comunicação. Ela pode ser veículo de contestação, de denúncia, como também ser arauto de otimismo e de esperança. É do mineiro Sebastião Salgado, notável na fotografia mundial, a frase: "Espero que a pessoa que entre nas minhas exposições não seja a mesma ao sair". Você considera que uma boa fotografia, como produto de uma arte engajada, na expressão exata da palavra, tenha este poder transformador?
CM- R: Claro. Uma Imagem, um retrato, diz muito no seu silêncio. E é bacana que as pessoas saibam olhar de verdade, com olhos de quem quer ver sem o fantasma da indiferença. Que consigam refletir, valorizar a expressão, cada traço, grandes e pequeninos detalhes. Acredito que a arte tem poder transformador. “A vida é amiga da arte”. Não há dúvida que uma boa fotografia, como produto de uma arte, na expressão exata da palavra, tem poder transformador. A arte é um grande poder transformador.
 
6- Ensaio Geral – Você é figura constante nos meios culturais da cidade, e foi citada no Japress, o excelente blog de Joaquim Alves, como produtora cultural. Como você vê, em especial, a cultura alagoana?
CM – R: - Não sou produtora ou promotora cultural. Não sou. É uma brincadeira carinhosa do Joaquim. Mas, acredito que a arte, além de nos manter vivos, nos estimula a viver melhor. Sou consumidora de arte. Costumo ouvir boas músicas, leio muito, escrevo. A meu ver, a função do artista é produzir arte. A função nossa, do admirador da arte e do artista, é conhecer, valorizar, divulgar, “contagiar” as pessoas com o vírus da arte, do conhecimento. Participo de um grupo literário “meio” anárquico composto por poetas, escritores, compositores, músicos (digo “meio” anárquico porque as reuniões são espontâneas, não há formalidades, regularidade nas datas, local, etc), onde se respira cultura; Alagoas é um grande celeiro cultural. Aqui temos grandes músicos, compositores, poetas, escritores, cantores, produtores, grandes profissionais, grandes artistas! Artistas amantes da arte, que, lamentavelmente, não podem sobreviver da sua arte. São escassos os programas do governo para estimular a cultura local, o que é um contrassenso. As grandes festas/realizações populares que promovem cultura vêm, geralmente, da iniciativa privada. Ou, de alguma cabeça pensante, persistente, que consiga tal feito. Por exemplo: A FLIMAR, é um evento totalmente voltado para a cultura, oferece cultura a todas as classes, idealizado/organizado pelo genial Carlito (Lima), um secretário de cultura na acepção da palavra. Um exemplo positivo a ser seguido. O Carlito, por ser um inquieto apaixonado por Alagoas, incansável nas atividades culturais, há alguns anos instituiu o PRÊMIO ESPIA, promove a festa de entrega do prêmio em praça pública, de forma descontraída, outro exemplo positivo. Recentemente (19 de janeiro) houve um show em comemoração aos 30 anos de morte de Elis Regina, que foi literalmente um espetáculo. Belíssimo show protagonizado por prata da casa, eu poderia dizer “ouro da casa”. Produção, direção, músicos, cantores... Todos alagoanos de fato ou por adoção, alagoanos de coração. Teatro Gustavo Leite lotado. Quem viu gostaria de rever, quem não viu, lastima ter perdido. Detalhe: Um evento desse porte, desse quilate, não contou com o apoio da Secretaria de Cultura. Um exemplo negativo. Fato lamentável. Alagoas permanece rica de artistas, mas está pobre de políticas de fomentação de cultura. Num passado não muito remoto, Maceió exibia espetáculos musicais gratuitos semanalmente em espaços diversos: MISA, escadarias da Associação Comercial, teatros, museus e outros espaços. Produção local, artistas locais. Era programação regular, fazia parte da agenda cultural da cidade. As pessoas tinham oportunidade de conhecer a arte e o artista gratuitamente ou a preços populares. E é preciso conhecer para gostar, para identificar-se ou não. Alagoas precisa valorizar a riqueza do seu potencial, suas belezas, sua cultura, sua arte e seus artistas.
 
Ensaio Geral - Muito obrigada, Cidinha!
Veja mais fotografias da artista:
http://www.unicrednne.com.br/site/figuras/Vencedora-Concurso-2011-21.jpg

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