Confirmando o DNA: Gal, Dália e Ludmila Monteiro
Gal Monteiro e suas filhas, Ludmila e Dália, se apresentam hoje,
no Projeto Palavra Mínima, no palco do IZP, com o espetáculo DNA. Extensa, a
entrevista com a artista pode não obedecer aos critérios textuais da mídia
internet, mas é impossível preservar no texto o essencial, quando tudo por si
só, nele, já é essência. Convido os amigos do Ensaio Geral à deliciosa
leitura...
1- Gal, as diversas expressões artísticas sempre interagem entre
si. Possivelmente, porque lidam em essência com um princípio comum a todas
elas, e que brota daquilo que sai da alma do artista, como sendo uma resposta
àquilo que entra em contato com a sua alma, vindo de fora ou daquilo que está
em sua alma e interage com o exterior, com o mundo, e que encontra nele o canal
de materialização da arte. No entanto cada expressão para cada forma de arte
tem sua identidade própria. Como é que você, Ludmila e Dália conseguem trazer
para o palco a interação entre duas identidades artísticas?
R- Eu
sempre estive ligada à arte, de um jeito ou de outro. Sou apenas aprendiz de
artista, uma simples postulante, noviça. Mas sempre cultivei esses valores,
assim como os pais das meninas. Creio que isso deve ter influenciado. Ludmila,
por exemplo, da mesma forma que eu, escreve desde menina e teve, aos 9 anos, um
livro de poemas publicado pela escola onde estudava e cantamos no mesmo coral.
Dália, por sua vez, é autodidata, aprendeu a tocar violão praticamente sozinha
e compomos juntas, as três. Portanto, vamos levar ao palco, na verdade, duas
identidades que sempre estiveram embrionariamente ligadas, primeiro pelos laços
de família, depois pela arte, vida afora, muito naturalmente. Adoro a ideia de
interagir fora do ambiente do lar, onde nós, mães, às vezes assumimos as
sanções e a vigilância, nem sempre compreendida pelos filhos. O palco nos
nivela, nos põe mais livres.
2- Três mulheres, em idades e fases diferentes de vida, poetisas,
artistas, mãe e filhas e que hoje à noite compartilham um mesmo espetáculo.
Certamente, para Ludmila e Dália a influência, o ambiente familiar dado à
cultura, além daquilo que se pode chamar de destino, é algo indiscutível, mas,
além disso, existe a pessoa que a si mesma se inaugura nelas e que segue se
afirmando, opinando, sendo. Nesse caso o que está irremediavelmente unido: música
e poesia feitas por Gal, Ludmila e Dália Monteiro ou Ludmila, Dália e Gal
Monteiro desafiam suas próprias gerações e mostram que além de outras
evidências estão unidas, também, pela arte?
R- Creio que, como eu disse, o fato de a
arte estar, naturalmente, em nossas vidas - por opção, por gosto - faz de nós
uma tribo meio diferente, ou, se preferir, pouco convencional. A arte, sem
sombra de dúvida, é o diferencial que nos iguala. Digo melhor: Ludmila e Dália,
quando falamos de arte, parecem desconhecer essa distância cronológica. Posso
dizer que aprendemos de um lado e do outro. É um desafio sim: para mim, por não
ter nascido em plena era dos computadores, da internet - eles vieram depois - e
me ver encantada com o que eles podem fazer pela arte. Para elas, por se
depararem com músicas e outras peças de arte do passado, e descobrirem que
gostam mais delas do que daquilo que nasceu com sua geração, em alguns
casos. A gente vai trocando figurinhas. Eu sou fã das duas: pelo talento e
pelo fato de serem capazes de compreender além do seu tempo.
3- Entre as gerações está
cada vez mais presente a inversão de valores que além de outras coisas, tem
criado distanciamentos entre pais e filhos. Desenvolver um trabalho artístico
feito com suas filhas contraria o que costumamos ver à maioria das relações
existentes e demonstra, sobretudo, parceira, empatia, entrosamento. Você diz
que: “a arte salva, que a gente precisa dela pra viver e não apenas
sobreviver”. Como é possível
evitar os vazios abertos, entre pais e filhos, pela sociedade moderna? Que
saídas você vê? Você acha que nesse aspecto, a arte, para qualquer pessoa, a
proximidade com ela, humaniza as pessoas?
R- Acho sim. Continuo dizendo que a arte
salva. E, se a arte é o seu trabalho, melhor ainda. Não tenho receitas para
esse grave impasse que você menciona - da inversão de valores, dos vazios
abertos - mas tenho certeza que a arte é uma forma de a gente ficar mais
próxima dos filhos, sendo os pais artistas ou não. É, digamos, como ter a senha
para decodificar as diferenças. Mais nada disso substitui o amor profundo e a
capacidade de trocar de lugar, sentir-se na pele do outro. Nem sempre consigo,
mas sempre tento, porque é nisso que acredito. Às vezes, me pego pensando
como conseguimos equilibrar os sentimentos entre meus quatro filhos que são de
pais diferentes, mas, se tratam como se viessem de um mesmo núcleo: com o mesmo
amor, as mesmas briguinhas, as mesmas disputas e o os mesmos cuidados dos
filhos de famílias nucleares, estruturadas de forma linear. Eles não julgam,
não se discriminam entre si, nem me questionam de forma negativa. De quem
foi o mérito? Acho que tem a ver com a alma
de artista (risos). Entendo a arte, nessas estruturas todas, não como
coadjuvante, mas irremediavelmente necessária para sermos pessoas melhores.
Porém, deixemos claro: isso vale para quando a gente ama a arte de verdade,
quando ela é uma expressão profunda do nosso espírito inquieto e não quando ela
se torna um comércio cru, sem ética e sem princípio, apenas um meio de
sobrevivência.
4- Em se tratando de DNA está claro que entre você e suas meninas,
há muito em comum – ao que se refere à sensibilidade artística, literária –,
isso quer dizer que vocês sintetizam de maneira bem parecida, o modo de ver,
sentir e colocar em ação esses sentimentos através da expressão artística? E
como acontece entre vocês o entrosamento dessas aptidões fora do ambiente e do
contexto da arte? Como é equilibrar sensibilidades na convivência entre mãe e
filhas?
R- Pergunta difícil. Vou falar das duas filhas porque a Dália -
que antes faria uma participação especial - vai tocar várias músicas com a
gente. O DNA é uma coisa interessante: há momentos em que ele salta aos olhos e
aos sentidos e todos percebem que há relação de parentesco entre as pessoas; há
outros em que nós, os parentes, nos sentimos menos parecidos entre nós. Temos
muitas divergências. Com cada uma delas tenho divergências diferentes. Mas,
mesmo sem sabermos como e nem sempre expressarmos, descobri que nutrimos uma
admiração mútua muito grande. Eu e Ludmila somos mais românticas, mais
sonhadoras. Dália é nosso chão, a seta que aponta para a terra firme, enquanto
navegamos pelos astros. Tenho dificuldade de conviver com a bagunça que elas -
e principalmente a Lu - fazem. Por outro lado, consigo enxergar nelas um
presente fantástico.
Somos mães e filhas, mas somos, também, cidadãs e artistas que
lutam as mesmas lutas e contracenam nos mesmos palcos.
5- Falando sobre o show: Vocês apresentam poesias musicadas,
canções que acompanham a recitação de poemas, você, Ludmila e Dália cantam,
declamam como é o espetáculo?
R - O espetáculo obedece à estrutura do projeto Palavra Mínima:
um intérprete/autor e um poeta dividindo o palco. Em DNA, eu canto, acompanhada
por músicos da estirpe de Deyves (violão/vocais), José Rocha (teclado) e Batata
(percussão), músicas de minha autoria, em parceria com outros compositores,
como Júnior Almeida, João Neto e o próprio Deyves. Dália faz uma participação
especial tocando guitarra em algumas músicas, entre elas, Hiena (Gal, Ludmila e
Dália). Ludmila é o outro lado da moeda. Para ela, o desafio é ainda maior: vai
declamar seus poemas pela primeira vez, enfrentando a timidez e o desconhecido.
Acho que o espetáculo não poderia ter nome mais adequado: D.N.A.: é a expressão
da arte em família, uma herança que tem mão e contramão - todos legam e todos
herdam. Vou levar meu filho Hermano para assistir e, quem sabe, entrar nessa
simbiose. Fica faltando apenas minha filha mais velha que é jornalista e atriz
e mora em São Paulo.
Vou sentir sua falta na primeira fila.
6- O que você diz acerca da parceria entre as artistas Gal e
Ludmila, com a participação ‘mais’ que especial de Dália? O público será
agraciado com outras edições?
R - (risos) Eu sempre quis que isso acontecesse, de
verdade. Espero que o público goste, eu estou super nervosa... Não
sei o que vai rolar, no futuro, se vamos voltar juntas aos palcos, mas uma
coisa é certa: nossa casa é e será sempre um espaço onde se discute e se devora
a arte. Ou ela nos deglute, lenta, e deliciosamente, quem sabe? Lá, nós temos
as portas abertas para os amigos que, "coincidentemente", sempre
trazem um violão, um poema, uma voz, um abraço apertado, um saco de milho de
pipoca, uma pizza, uma boa gargalhada, umas lágrimas e desenganos que a gente
cura no colo e no abraço. De um jeito ou de outro estamos juntas, onde quer que
seja o palco.
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