Noite de dezembro
Sinto
o cheiro do Natal todos os anos. É um cheiro que guardo comigo desde a infância e
que volta por essa época. Nos meus registros sensoriais, o tempo, todo ele e a
todo tempo, exala aromas específicos. Aromas sagrados, que têm o poder de me conduzir e iniciar nos mistérios natalinos. Retorno por dentro das
minhas lembranças, até chegar aonde quero ir, e aqui estou:
A sala irradia a luz dezembrina. Deve ser a das nove da manhã, essa hora que traz a minha avó do seu quarto, carregando uma caixa grande de papelão. Estamos eu e meus irmãos, crianças, a sua volta. Um grande galho seco, cheio de hastes por ela escolhido, acha-se posto dentro de um jarro pintado de dourado. Estou diante do que será a nossa Árvore de Natal.
A sala irradia a luz dezembrina. Deve ser a das nove da manhã, essa hora que traz a minha avó do seu quarto, carregando uma caixa grande de papelão. Estamos eu e meus irmãos, crianças, a sua volta. Um grande galho seco, cheio de hastes por ela escolhido, acha-se posto dentro de um jarro pintado de dourado. Estou diante do que será a nossa Árvore de Natal.
Todas as extensões da planta estão cobertas de algodão. Aberta a
caixa, suas mãos habilidosas e pacientes retiram do seu interior, luminosas e
delicadas bolas natalinas. A curiosidade cresce - a gente, meninos e meninas -,
delira querendo pegar as coisas e ajudar a pendurá-las. Um vento leve e quente
invade os quatro cantos da sala, percorre os limites do seu contorno e
desperdiça sobre os móveis e sobre nós, suados, a sua fragrância de Seiva de
Alfazema, como um sopro vital dela roubado.
Adiante
está a mesa onde a lapinha será arrumada. Estragética, ela se encaixa e reforça
o ângulo reto onde as paredes se encontram. Minha avó dá voltas, idas e vindas,
e outra vez retorna ao quarto. Sua silhueta baixinha e rechonchuda reaparece
sorridente. Anda segurando as sandálias nos pés e parece deslizar sobre o chão
de cimento, como se distraidamente, se ousasse bailarina, ainda que imodesta e
fora de hora. Seus olhos pequenos nos vasculham e vão buscar nossos
pensamentos iniciados apenas: “Não, primeiro vou
montar a Árvore, depois a lapinha”. Ninguém discorda da adivinha, que sabe lê por dentro da gente.
Aí
está, pois, o serviço terminado. Bolas de diversas cores e tamanhos balançam
dependuradas. A meninada bate palmas, dá palpites, corre pela sala. O
pisca-pisca é cuidadosamente posto fazendo círculos entre os galhos. É preciso
testá-lo. As luzes se acendem. Novos gritos, novas palmas. As crianças nos
abraçamos umas às outras celebrando o instante que nos enche a todos de descomedida satisfação. É preciso pregar acima do
portal, que dá entrada à sala de jantar, os dizeres natalinos de Feliz Natal,
Boas Festas e Próspero Ano Novo.
Timidamente
São José sai da caixa, todo envolto em folha de jornal. Depois Maria, depois o
Menino Jesus, exageradamente maior em tamanho que os pais. A manjedoura, os
bois, as vacas, os cordeiros, o jumentinho, o camelo, o espelho que vai servir de lago, os patinhos, o galo, pastores, os
três Reis Magos, imponentes, com vestes que apresentam majestade e brilhos
dourados. O tempo não passa para o anjinho que da mesma idade, em todos os
dezembros da minha infância, vai ser colocado acima, sobre a entrada da
manjedoura e nos saudará com a mensagem de Paz na Terra aos homens de boa
vontade.
Um
cheiro de caju se anuncia vindo da cozinha. Minha avó fala sobre a viagem de Maria e José para Belém, na orla do deserto da Judéia, por causa do recenseamento exigido aos judeus pelo império Romano, sobre a natividade da criança-Deus que se fez homem dentre os outros, enquanto vai assentando
a Sagrada Família em seus devidos lugares. O silêncio reverencial ocupa o
momento. Os Reis Magos andarão da porta de entrada, sobre os móveis, para não
serem pisados, até chegarem na data certa, ao local onde Jesus se encontra,
repetindo o feito e a viagem que fizeram, seguindo a Estrela de Davi. Ela, que feita
artesanalmente pela dona da casa, cintila enorme, sob o efeito da areia
brilhante, pairando sobre a cena.
O
momento é carregado de simbologias cristãs. Distancio-me para ver com olhos
adultos, o que cada um de nós está fazendo àquela hora e me consinto a alegria
de vermo-nos felizes, vivendo instantes que o tempo não pode mediar com horas.
Estão ali e aqui, eternizados, e salvos pela memória, que me lança sobre o
tempo e através dele, e que me leva a este lugar que não tem lugar, nem é mais
um lugar, é um sentimento vivo, feito de imagens fiéis que me tragam e que me
participam, como se fora uma película, um filme, que atuo e assisto ao mesmo
tempo, em noites de dezembro, como a de hoje.
Dedico estas lembranças aos meus irmãos,
que junto comigo viveram a alegria e a Graça de ter como nossa avó, Mãe Tina,
que nos ensinou tudo o que sabia sobre a vida, o Natal e o Espírito Santo de Deus...
Oh! Que doce lembrança essa sua, mãe Tina de riso farto e ímpar a iluminar seu Natal. Felizes fomos nós, que tivemos e temos nossas recordações.
ResponderExcluirMirya
Nossa, admirável Goretti e suas lembranças tão vívidas que ao mesmo tempo que lia, lembrei das minhas...Não tão detalhadas como voce a fez, mas em Essência, sim. E também tive Minha Muito Amada Avózinha Maria como a Protagonista dos Natais e tantas Celebrações. Ela sentia de forma intensa essa época e herdei o Presépio que ela, minha Avó, amava ampliar a cada lugar novo e procurava adquirir novos Personagens e chegou a quase 300! Hoje é pequeno, mas A Sagrada Família, os Reis Magos e seu servo e camelo, o Burrinho, Um Anjo, o Galo, Pastores e Muitas Ovelhinhas, sobreviveram a tantas mudanças de locais. Certo tempo, ela me disse que tinha essa Missão de montar e quando partisse, seria minha a Missão (senão...tem uma clásula). Assim o fiz, até nascer minha Filha Ana Clara, a qual passei a Mesma Missão, mas fico por perto, curtindo e dando aqueles pitacos que ela não curte muito [risos]. Nem sei porque passei a Missão tão cedo e logo para ela, mas deve haver um motivo...Sentir menos saudades dos Natais da Infância? E O Natal tem uma Mistura que não sei definir ao certo, dentro de mim: Saudade? Nostalgia? Uma certa tristeza! Será dos tempos de Infância, onde a Ingenuidade fazia a Festa e eu escrevia ao Papai Noel, crendo mesmo, e tudo era...Mais Natal porque mais puro? Não sei... Grata, amada, pelo texto com gosto de Saudade e Alegria...E Um Lindo Natal! Vou, Hoje, Fazer o Mais Divertido Natal que puder...é preciso celebrar a Esperança. Muita Luz! Ceci Rêgo
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