Um olhar sobre o envelhecer - 2ª Parte
Dando seguimento ao texto sobre o envelhecer, volto à importância do tipo da
colheita a ser feita enquanto se caminha pela vida. Alguns, apenas quando são
empurrados para a estação invernal é que se apercebem que as mãos estão vazias,
que aquilo do que se necessita, após tanta andança, foi por eles desconhecido.
A maioria sente a falta e a angústia de não saber nem o que está faltando.
Recorro à mitologia grega como suporte à construção e evolução do texto.
O mito grego de Perséfone, diz que a bela jovem, filha de Deméter e Zeus,
vivia alegremente e despreocupada com o que quer que fosse, colhendo flores
sobre a terra, até que Hades, o deus do mundo dos mortos, apaixona-se por ela e
consegue raptá-la, levando a moça para a sua morada. A leitura dos mitos
gregos, quando se considera que o berço cultural do ocidente está na Grécia
antiga, é uma maneira interessante de buscar entender os estereótipos ou
lugares-comuns nas reações humanas, reproduzidas através dos tempos. Observar o
que a lenda de Perséfone nos ensina, propõe à pessoa o retorno à própria
adolescência.
Vivemos uma época onde a atuação humana, como agente no processo histórico
está ameaçada pela perigosa intervenção de conceitos comportamentais, que
fragmentam a vida. Aproveitar o ‘aqui e agora’ é uma proposta de falsa
experiência de felicidade, que desconhece os desdobramentos e efeitos, que
surgem após quaisquer ações que façamos. Mas, a propaganda que constantemente
dá ênfase ao prazer momentâneo, o coloca como um direito que todos devem lançar
mão.
A historicidade humana é segmentada e as pessoas vivem essa segmentação em
ensaios isolados, que servem apenas para rebaixar, o que poderiam ser as
emblemáticas experiências da vida, à condição de sinalização de meros
acontecimentos, apenas. Os elementos que poderiam emblemar a existência e lhes
configurar valor, se perdem a meio caminho. Sem a posse do somatório das
experiências vividas, não consegue a pessoa percorrer o caminho da própria
individuação. Há o comprometimento do crescer, no sentido de compreender e
assimilar os conteúdos, à sua necessária maturação.
Viver despreocupadamente a intensidade do prazer momentâneo, como razão
única de felicidade parece ser o que a bela Perséfone fazia, colhendo narcisos
pelos campos. Colhendo, um único tipo de flor. Diz uma das versões da lenda,
que a jovem ao ver uma planta com centenas de flores perfumadas, foi atraída
por ela. Uma fenda abre-se no local e ela vai ter com o senhor do mundo
inferior. A lenda ao que parece, quer nos mostrar que existe algo por baixo da
beleza e do prazer, que nós, humanos e falívies, precisamos entrar em contato.
Lembra-nos que não é possível fazer colheitas por fazê-las, distraidamente,
se guiando apenas pelo prazer de ter flores nas mãos, colhê-las e apreciá-las,
tão belas. Tendo sido raptada, conta-nos o mito que Perséfone, no mundo
inferior, passou a ser conhecida como Proserpina, rainha do reino subterrâneo.
A vigilante das almas. O quanto antes possamos admitir que a juventude não é
eterna, como nada sob o sol, mais atenção teremos ao direcionar nossa colheita,
nos jardins dos tempos primaveris. Pois que, próximos do envelhecer, é tolice
ficarmos perdendo tempo, na tentativa de negar o óbvio. Mais salutar é cultivar
a as flores da jovialidade interior. A beleza sinalizada pelas flores, não é
emblema do Belo, para quem ultrapassou o signo e soube tornar emblemático o seu
significado.
Tendo o consentimento de retornar à superfície, Perséfone o faz todos os
anos. Quando reaparece trazendo consigo a primavera e suas flores. É possível, também para
os que envelhecem entrarmos em contato com as fragrâncias e a beleza dos
jardins da vida. Mesmo quando fomos raptados e estamos - senão vivendo, diante
alguns passos, da porta de entrada para o inverno da vida. Diferente, porém, da
juventude, não colhemos mais as flores, mas a trazemos junto conosco, como
emblema de experiência, para que sejam apreciadas e colhidas pelos outros.
Mesmo na Mitologia a plenitude do envelhecer é só uma lenda, o prazer da eternidade, de alimentar o óbvio, de recusar o envelhecimento - a ordem natural das coisas - , e da morte - mais natural ainda. O corpo cederá, um dia, o que é da natureza das coisas, as forças físicas não terão mais resultados satisfatórios, e o espirito, este sim, que é o senhor da razão - precisa ser cultivado, arado e colhido para que dê frutos saudáveis na velhice física!
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